O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

23 de out. de 2012

O Supremo fez Big Dog morder a língua

Todo dia Big Dog se metia no meu dia. À frente de uma cainçalha fiel e prostrada pelo seu jugo, só ele rosnava, latia, incomodava. Parecia o dono do seu séquito de fidelidade canina e do meu caminho. Mostrava os dentes para mim; logo para mim que nunca lhe fiz nada.

Não me dava o direito de sequer ensaiar uma corridinha a mais a bem da vida saudável, vinha de boca aberta até que eu parasse e retomasse a monotonia conformada dos meus passos. Queria-me cachorro como ele, sempre achei.

Se eu ia de bicicleta corria atrás de mim, até que eu parasse e então, covardaço, ele parava também. Tá certo, nunca lhe fiz afagos também. Mas, pô, ele era um cachorro e eu um pobre brasileiro que não sabe ladrar. Eu tinha certeza que, mesmo sem me conhecer, ele não gostava de mim.
Não gostava de ninguém que passasse pelos seus domínios, a via pública, da qual se apropriara assim com quem não queria e nem tirasse nada de ninguém. Não gostava nem mesmo da chusma que o seguia silente, ladrando bem menos do que ele. Big Dog era o próprio eco do latido rouco das ruas. Se pudesse, ele botava coleira na gente

Confesso que esperei o tempo todo ouvir, um dia, ao invés de seus ladrares, o seu ganido. Não cheguei a tanto. Eu e todo mundo que exercia o direito de ir e vir, não tínhamos e não temos a sua têmpera canina. Alarmados, nunca latimos para ele; temerosos, sempre contivemos o chute.

Hoje, minha andança cotiana não teve sobressalto. O Supremo nos concedeu a paz: ele estava ali, inerte, abandonado, mortinho da Silva. Nem a sua canzoada cordata estava a sua volta. A rua estava calma, livre e desempedida. A Justiça Suprema deve fez Big Dog morder a própria língua.

Sei, sei, não se chuta cachorro morto. Mas que me deu vontade, deu. Não por maldade. Por pura e simples felicidade.