Polícia não tem preço
Morando na Zona Leste de São Paulo, aquele pobre vivente - migrante nordestino, quase de Guaranhuns - já não aguentava mais aquele tal de Zé Bedeu, um bebum xarope que, dia sim e outro também, ia azucrinar a turma boa de happy hour nas mesinhas do seu boteco.
Mais que chato, aquele pinguço roliço, de cabelos crescidos, óculos combinando com o sotaque caipira enchia o saco de todo mundo. Inconveniente, provocador, não deixava ninguém em paz. Ele se metia na vida e nas conversas de todo mundo e ainda queria impor suas idéias, como se fossem estilhaços de guerrilha urbana. Isso, sem contar as piadinhas descabidas e cansativas para cima das meninas da vizinhança que passavam por ali. Zé Bedeu se achava bonito e cheio de charme. Tinha mesmo era veneno de sobra. E de cobra.
Há mais de cinco anos, desde que Setembrino Inácio inaugurara o seu barzinho de beira de calçada que o beberrão incomodava. Já levara até alguns tabefes de uns que outros, mas era brasileiro, não desistia nunca. E de tão insistente, Zé Bedeu nem se importava com os bofetões. Pior que isso, devolvia as agressões. E muito pior ainda, vingativo e cheio de manha, até levava vantagem. O cara era uma espécie de minoria majoritária; um porre. Pior, uma ressaca permanente.
Setembrino Inácio lotou. Não havia mais saída. O seu negócio estava indo pras cucuias, porque ninguém mais aturava o inoportuno. O comerciante já não sabia mais o que fazer. Uma coisa era certa: ele não contrataria nenhum consultor republicano para não ter medo de ser feliz.
Foi então que, naquele quase fim de tarde de uma providencial quinta-feira sem paixão, dois motoqueiros, surgidos assim do nada, entraram em seu bar ainda às moscas naquela hora e, ao invés de pedir uma birita, simplesmente lhe rosnaram:
- Assalto! Perdeu, perdeu! Passa a grana.
Setembrino na maior calma, passou os trocados que tinha no caixa e, em vez de afastar-se dos bandidos, aproximou-se cuidadosamente deles e lhes segredou qualquer coisa bem pertinho das orelhas. Atrás da porta do banheiro, um cachaceiro de boa paz e muita vontade de mijar quase se borrou de medo. Comeu em tranca, não deu um pio; só bancou a coruja: prestou muita atenção.
Os motoqueiros nem notaram sua presença e se mandaram. O fim do dia foi surpreendentemente normal no boteco. Mais movimentado até que nas noites anteriores. Vendeu bolinho de batata recheado, churrasquinho de gato e cerveja que não parava mais. Ninguém deu bola pro incomodativo Zé Bedeu que, é bom dizer, estava com a corda toda.
Dia seguinte, sexta-feira pecaminosa com a noitinha chegando com a turma do trago de sempre, Zé Bedeu, o Guerrilheiro da Paulicéia já estava no pedaço. Nem chegou a perturbar ninguém. Mal puxou uma cadeira para sentar-se à margem da roda dos amigões que bebericavam os primeiros goles, levou um safanão de um motoqueiro-carona.
Quando quis reclamar, foi atingido por um tiro só e certeiro, no meio do peito. Estrebuchou e caiu mortinho da silva. Os motoqueiros se mandaram. A clientela ficou. A polícia chegou. Veio a ambulância e o corpanzil do briguento acabou no IML.
Sábado, manhã cedinha ainda, Setembrino Inácio abriu as portas do botequim e logo recebeu a visita do bêbado corujão do assalto de quinta-feira. E ele já foi peitando o dono do bar:
- Eu vi tudo, Setembrino. Quero mil pratas pra ficar calado.
- Quê?...
- Mil pra ficar calado. Topa?
- Topo...
- Então tá feito. Mas me diga uma coisinha: quanto ocê pagou praqueles motoca?
- ENada. Nem um tostão. Eu só disse que o Zé Bedeu era policial.
- Epa! Essa foi boa. Mas agora, eu quero o dobro. Duas de mil tá bom... Topa?
- Topar, eu topo. Mas eu vou dizer pros motoqueiros que ocê também é polícia... Topa?!?
O achacador de balcão, deu meia volta, saiu a pé, sem rumo e mais depressa que um motoboy com prazo de entrega vencido. Nunca mais botou os pés sequer na calçada do bar do Setembrino Inácio, hoje o mais seguro e popular happy hour da Zona Leste de São Paulo.
MORAL DA HISTÓRIA - Paz e segurança hoje em São Paulo são só uma questão de conversa. Policial não tem preço.