O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

9 de jan. de 2013

Eu e você somos uma multidão

Eu sou você, um brasileiro de boa vontade. Ele é ele e, por sua causa, Deus já nem mais é brasileiro. A figura dele é uma assombração. Provoca em mim - quando sou você, meu bom cidadão -  os mais primitivos instintos.

Não há como não trincar os dentes e não remoer com indignação o profundo menosprezo pela síndrome de autoridade adquirida por ele, desde que foram quebrados aos berros os primeiros cadeados dos portões das fábricas do ABC paulista.

O pássaro preto que migrou dos sertões como um inofensivo anu, se fez símbolo estrelado da metamorfose ambulante que ronda os céus da pátria nesse instante como um urubu à cata de carniça.

E, sempre sendo um pouco você, homem bom - eu alimento o quanto posso esse sentimento de aversão porque, no fundo, no fundo, o menosprezo à autoridade tem sido, ao longo da história da humanidade, um dos princípios que animam as revoluções.

No íntimo, já quase à flor da pele, sou um revolucionário de cabeça mais forte do que o tronco e os membros. Eu e você, com nossos instintos primitivos, constituímos uma multidão.

Mas a marcha é lenta. Eis que a autoridade é um reino onde só impera, manda e desmanda aquele que não se apega à retidão e ãs razões de quem não seja seu vassalo.

O menosprezo e a desobediência a essa voz rouca de comando que invade as minhas ruas, até quando eu sou você, meu caro plebeu ignaro, me impedem de sorrir quando vejo em ação o charlatão das palestras milionárias nas quais o que mais importa é que tenham graça e o que menos interessa é que sejam verdade.

Sinto-me à vontade e bem melhor quando me apercebo e faço com que você também se dê conta de que o sarcasmo, a ironia e a hipocrisia não passam de uma incurável fraqueza, uma perniciosa debilidade que esconde a ruindade e a má intenção.

É dessa carga de defeitos insanáveis que alimento as minhas - que são suas também - três grandes verdades dessa democracia à brasileira: a liberdade de pensamento, de credo e de expressão. Faço delas a carcaça que serve de blindagem às tentativas de voltarem ao uso da mordaça nas bocas que não se deixam calar.

Como ele gosta tanto do silêncio de quem não concorda quanto adora o aplauso daqueles que integram a legião dos que lhe dedicam fidelidade canina, minha aversão a esse Quasímodo da esperteza política se revigora com a certeza de que sua fragilidade está justamente na sua preferência de impor silêncio aos seus erros e mentiras ao invés de ouvir a verdade.

Nunca antes nesse país a mentira teve pernas tão curtas. O cara é baixo; fala alto talvez por isso mesmo. E fala e fala... Mas não ouve, não vê, não sabe, não faz. Ele só fala. É da sua natureza. É o seu jeito de ser.

E se você observar - como eu o observo há tempos intermináveis - verá que nada revela tão seguramente o
caráter de um animal político quanto a sua voz.

A sorte é que eu e você ainda temos capacidade de perceber que na ossada desse tumor social se equilibra um caso de múltipla personalidade: ele é portador do caráter que realmente tem; do caráter que aparenta ter e se resume ao caráter que ele próprio acredita ter.

É, muito mais que uma garganta cheia de riscos, uma metamorfose ambulante sem cura. Não merece e não é mesmo de confiança.

E contra isso eu, incrédulo por vocação e provocação metafísica, conclamo a força da sua fé, para usar em sua defesa o alerta que Jeremias expressou na Sagrada Bíblia: "Maldito seja o homem que põe sua confiança em outro homem"!

Pronto, tenho - e logo você também terá - a Sagrada Bíbia do meu lado. E você quer melhor companhia do que essa, ou prefere a voz rouca das ruas do Deus de Rosemary?!? Você decide.

Eu tenho aqui comigo e com os nossos - meus e seus - botões que eu e você formamos sim uma multidão. É o meu jeito - nosso, quem sabe - de fazer uma revolução. Confie nisso. Os que acreditam no impossível são os mais felizes.