A Síndrome da Banalização
A pauta é do jornalista José Cruz; alguns números são da ONG Human Rights Watch, outros foram editados pelos jornais Folha de São Paulo, Estadão e Globo. Vamos lá...
O Brasil tem 43 mil vítimas de acidentes de trânsito por ano. Isso quer dizer 117 vítimas por dia. Coisa parecida com uma boate incendiada a cada noite brasileira. Se você preferir, um desastre de avião a cada dois dias.
São assassinadas 137 pessoas por dia no Brasil. Nada menos de 50 mil mortos por ano. É como se todo santo dia um bandoleiro maluco tocasse fogo de artifício em todo mundo que estivesse curtindo uma noite de boate. Nesse caso, já se trataria de uma tragédia aérea por dia. Uma queda de Boeing, Jumbo, ou similares franceses, mais fáceis de despencar. E de comprar.
Tanto esses 43 mil mortos no trânsito, quanto os mais de 50 mil assassinados só no último ano, sendo contados assim em números absolutos, levam o Brasil a um patamar superior à média anual de mortos em conflitos como o da Chechênia - lá morreram 25 mil, entre 1994 e 1996; ou da guerra civil de Angola travada de 1975 a 2002, com módicos 20 mil mortos a cada ano. A média brasileira também é superior às 13 mil mortes anuais na Guerra do Iraque que não ata nem desata desde 2003.
Não que a tragédia da boate Kiss não deva nos comover. Longe disso. É bom até que nos comova; que nos sacuda; que nos faça reagir, pois se assim não fosse estaríamos todos padecendo da Síndrome da Banalização da Violência Urbana, mal que acomete mas não aflige os governantes e a suas circunstâncias.
Eles curam câncer com band-aid; apagam incêndios com alvarás; combatem o PCC e o Comando Vermelho, surrupiando seus celulares; resolvem o trânsito nas cidades com multas e a mortandade cotidiana nas rodovias com postos de pedágio; motoqueiro pára de morrer porque usa capacete; bala perdida entra por um ouvido e sai pelo outro
Se as 232 vidas ceifadas na balada da Kiss e os mais de 130 feridos - dos quais 70 em estado grave - não nos abalassem, não nos afligissem, nós seríamos hoje como os governantes e seus circunstantes. Seríamos uma nação de 195 milhões de contaminados pela banalização. Aí sim, o Brasil não suportaria tamanha tragédia.