A VOZ ROUCA DAS RUAS
Por: Sérgio Siqueira
Eu hoje enfiei o pé no urinol e, antes que o dia começasse, já fiz do amanhecer uma grande meleca, bem ao gosto do país que vou enfrentar até que seja meia-noite outra vez.
Sou desastrado assim quando não ouço o galo cantar e, ao invés de ser um metalúrgico a caminho do metrô, me espreguiço bem mais tarde, como faz bem a um cientista político com modos e costumes de sociólogo. Hoje, pois, sou doutor em sociologia.
E cá estou eu, diante do desjejum, lendo os jornalões sem qualquer azia e pensando com meus botões de madrepérola. Se você quer saber, não tô nem aí pra você. Se quiser, acompanhe o meu raciocínio. Seja um pouco assim como eu: pense...
De todas as heranças malditas que os dois governos Lula deixaram para Dilma, o pior legado foi ter estabelecido a cultura imoral da "estratégia da coalizão pela governabilidade". Isso quer dizer apenas que basta saber o preço para se ganhar um aliado. Um governo que tem amigos assim, custa caro. Pode-se pagá-lo com moeda sonante, ou cargos retumbantes.
Imagine, no tempo de colégio, você ter que dar caderno, lápis, borracha para o colega da carteira ao lado, para que ele em troca ficasse seu amigo. Se você fez isso, decerto, ele comeu você primeiro e depois não lhe deu. Pois Lula se fortaleceu assim, sondando o valor de cada um e prometendo dar o que eles quisessem. Nada foi por amor e graça, nem de graça. Foi tudo uma questão de preço.
Esse costume implantado na in/consciência coletiva pela era lulática desmantelou a estrutura do Estado. O conceito de nação hoje no Brasil é que o Estado é uma grande ação entre "amigos". A população foi rifada e não teve sorte. Caiu no conto do um pacote que embrulha falta de pudor e nenhum respeito à ética. As leis são apenas instrumentos para mostrar quem é que manda; quem é que pode e quem é que se sacode.
Mais que governo isso é poder. E quem pode mais chora menos. Mais que isso, quem pode mais dá risada, debocha, gargalha. A herança deixada para o governo da primeira-presidenta ensina que o poder consiste em saber que o povo é mais covarde que os governantes.
Os que tocam esse sistema de governo que se estabeleceu há pouco mais de oito anos, ainda não entenderam que depois de estabelecido o poder, nada é mais grandioso do que saber usar com dignidade o poder. O que nos resta ainda de consolo é o que a história da humanidade comprova: todo poder excessivo tem vida curta.
O mal do brasileiro engambelado, embasbacado é a aceitação da opressão por parte do oprimido. Isso termina em cumplicidade. Você vai se acovardando, se acostumando e consentindo. Quando você menos espera vive uma espécie de solidariedade notável e uma sem-vergonhice compartilhada entre o governo que lhe faz mal e você, o povo que o aguenta.
Ainda há tempo, no entanto, para elevar o tom da voz rouca das ruas. Cuide-se, porém, já que não é apenas com a ira das desigualdades sociais que se processa a verdadeira mudança de uma nação. Sem um verdadeiro ideal de justiça, um povo é capaz de fazer um motim, uma passeata, jamais uma revolução.
Bem, até aqui você me acompanhou. O que você vai fazer com essas minhas elucubrações sociológicas, pouco se me dá. Tô me lixando. Sou um metalúrgico que virou cientista político, um sociólogo, uma "pessoa não-comum" você é um reles popular que nem sequer anda à cata de uma doutrina.
Faça o seguinte: esqueça o que eu pensei. Agora, dê licença, saia das minhas idéias que eu não quero entornar o urinol outra vez.
MORAL DA HISTÓRIA - Um urinol chutado pela manhã pode espelhar a face matinal de uma nação. Não é um aparelho fora de moda, posto que os ouvidos de qualquer brasileiro têm servido de penico para os discursos de seus amos e senhores - os governantes, políticos e seus coalizados dos três Poderes da República.