Brasília, convite encaixotado à tragédia
O Brasil incendeia na chamas da Prevaricação
Não se trata de paranóia, nem de uma cena dantesca dé-jàvu. O ligeiro incêndio no prédio dos ministérios do Transporte e das Comunicações nesta terça-feira é a dura e pirotécnica crônica de uma tragédia anunciada tipo assim Santa Maria na Esplanada dos Ministérios e no Distrito Federal de ponta a ponta.
Atravessei a vida sem saber o que é ficar um minuto sequer trancado em um elevador por pane, queda de energia ou falha de manutenção. Não sou claustrofóbico, mas Santa Maria da Boca do Monte ligou em mim sinais de alerta para a criminosa negligência dos que têm a missão e o compromisso de zelar pela segurança da população. Com a triste lição da boate Kiss, percebe-se no ar o sinistro e consentido descaso das autoridades competentes (?) que se alastra por Brasília e pelo Brasil afora.
Na rotunda desse palco de tragédias iminentes que são Brasília em particular e o Brasil por extensão, os governos de todas as dimensões têm culpa no cartório - desde burocratas que assinam alvarás de funcionamento, certificados de "habite-se" e similares até ao menor contingente de Bombeiros que vêm tirando o Corpo fora.
Eles parecem não olhar como a gente olha; parecem não ver como a gente hoje pode ver com aflita nitidez, o risco que se corre não só em boates que, por exposição aos holofotes, vêm sendo fechadas em nome da segurança pública; pode-se ver com a clareza da realidade, o risco de perigos de incêndio e de desgraça a qualquer momento em boates, cinemas, casas de espetáculo desfiles de carnaval, estádios esportivos, queimadas na mata ou à margem das estradas e da vida, prédios comerciais, edifícios em forma de caixotes em conglomerados humanos com perfil de arapucas.
Brasília, então, com suas quadras residenciais e entrequadras comerciais é uma cidade descuidada com o tempo e envelhecida pelos anos que já gastou desde sua fundação. Um constante prenúncio de tragédia. Os centros nervosos de cada grande cidade são todos assim; todos correm o mesmo perigo de entrar de roldão num repentino estouro de pânico, pelo fogo ou pela fumaça que burocratas e bombeiros não previnem.
E assim é que a nação tão desavisada quanto acostumada enfrenta de aparência calma, serena e submissa a iniquidade dos desatentos e prevaricadores ir/responsáveis. Mas a sociedade já padece de uma síndrome do pânico que está mais para reprimida do que para stand by.
Pois agora antes que a vaca enfumaçada tussa, é mister que voltemos à vaca ainda fria: o prédio onde aparentemente funcionam os ministérios dos Transportes e das Comunicações, teve o que os arautos tardios chamaram de "um princípio de incêndio" na tarde desta terça-feira (19).
Bolas, incêndio é que nem distensão muscular: não tem "princípio", quando começa já é distensão; pode ser grande ou pequena, mas é distensão. Incêndio é assim mesmo, começa pequeno, mas pode logo ser enorme.
E cheguemos então e de uma vez à vaca, enquanto é fria: o prédio dos tais ministérios não tem sistema de alarme de incêndio. Você entra numa fria e pode se queimar. Simples assim.
A evacuação dos funcionários foi feita boca a boca, de acordo com o chefe da Brigada de Incêndio do prédio, Wodirley Lopes, ou coisa parecida: “O alarme está em fase de aquisição, não tem no prédio”, disse. Lopes, mais um profeta de ocasião, informou que os dois ministérios têm aproximadamente 1.500 servidores e que bem mais de 500 pessoas passam todos os dias por lá.
O quadro de risco é o mesmo em toda a Esplanada dos Ministérios, um convite encaixotado a céu aberto para uma catástrofe mais que previsível; uma fatalidade em regime latente, 365 dias por ano ou mais um, se bissexto é o ano - como bissexta é a preocupação oficial para com essa faixa do tecido social pontilhada - como estimam os senhores relapsos - de paranóicos e alarmistas
A origem do "princípio" de incêndio foi uma pequena e boba explosão na subestação da Companhia Energética de Brasília (CEB), no subsolo do edifício.
É aí que surge, com a agilidade dos que chegam depois, o chefe de Comunicação Social do Corpo de Bombeiros, tenente-coronel Mauro Sérgio de Oliveira Francisco, e assume o posto de comentarista para banalizar o "pequeno" incidente: "O incêndio foi controlado rapidamente, mas a fumaça subiu pelos tubos de ventilação entrando em vários andares. A CEB desligou a energia do local para o trabalho dos bombeiros, que usaram exaustores para retirar a fumaça" - disse, assim como dizem sempre aqueles quem têm pleno domínio do fato.
Como se Brasília fosse a edição federal da desgraça de Santa Maria, o comunicador da Corporação, corporativamente, nada disse sobre a data da última inspeção feita ali pelo seu inerte batalhão de revisões de sinistros e de infaustas e corriqueiras ameaças da mesma natureza. Imitou, pura e simplesmente, o comandante bombeiro gaúcho que tirou o corpo fora. E logo será imitado pelo profeta da próxima atração fatal. É a Síndrome da Defesa Civil, organismo inventado para explicar o que já era, prometendo o que vai fazer.
Agora é só esperar que demitam o fiscal do motor de "pequena explosão" e pronto! Com a culpa do mordomo, o caso dos ministérios está encerrado. Envolto na tradicional cortina de fumaça.
O espírito de corpo salva o simpático e sempre bem-visto Corpo de Bombeiros, responsável, diante da força da lei, pelas vistorias que não são feitas em Brasília, capital de um Brasil que incendeia nas chamas da prevaricação.