O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

27 de fev. de 2012

Baú do Jirau

Sob inspiração de um bom amigo não-governista (todo não-governista é amigo, jamais companheiro na acepção lulática do termo) está criada a Ala Sanatorial Baú do Jirau. É ali, do baú que sairão as historietas que o marasmo dos domingos nos leva a contar. Aguente se puder. A dose é semanal.
Programa do Governo
Segunda-feira, dia santo de guarda, José da Silva - todo governista terceirizado é José - está rente que nem pão quente, diante do rádio para seu encontro semanal e imperdível com o tradicional "Café com a Presidenta".

É o componente mais importante de um ritual que começa invariavelmente com uma rápida navegada pelos jornais virtuais, "para colher a pauta do dia" extraída sempre da mídia pelo seu chefe no Ministério, cujo nome nem lhe passa pela cabeça, mas onde ele e seu imediato ocupam dois bons salários para não fazer nada.

É uma azáfama de inutilidade que se repete há bons nove anos, quase uma década, graças à carteirinha do partido aliado que substitui diplomas, currículos e aptidões para qualquer coisa, ou tipo de atividade.

O que não passa pela cabeça de José - nem pense nisso! - não é o nome do chefe, isso ele tem obrigação de saber; o que não lhe passa pela cabeça é o nome do Ministério.

Nunca ninguém o informou sobre esse pequeno detalhe e nem Zé Silva - permitam a intimidade - jamais se deu direito a tamanha e tão impertinente curiosidade.

Depois da breve navegação, já de terno, colarinho branco com uma suspeita e rósea mancha de batom no colarinho, sinal da gandaia de sábado num já costumeiro coquetel para festejar a ascensão ou a queda de mais um ministro - ele nem se lembra bem, já que vodca provoca lapsos de memória - Zé aprecatou-se para escutar o plano de poder semanal da momesca criatura, Dilma - A Primeira e Única.

Sim, plano. É que programa de governo mesmo, Dilma tem esse aí, de rádio e olhe lá!

Sorvendo o café que lhe foi posto em pratos limpos pela governanta do seu apartamento funcional na Asa Norte, o herói típico do cotidiano da Esplanada dos Ministérios, aprumou-se na confortável cadeira de espaldar alto, ao lado do aparelho radiotransmissor e inteirou-se do que deveria mandar seus subordinados mandarem seus inferiores fazer ao correr da semana.

Ficou sabendo de tudo. Dilma falou, tá falado: O PAC desempacou; o Minha Casa Minha Vida é todo nosso; Luz para Todos já chegou e tem mais; O Brasil Sem Miséria existe e taí pra quem quer ver a vida com bons olhos; sim, Zé Dirceu e seus mensaleiros continuam soltos; Dilma hexa-campeã em perda de ministros caminha célere para a sétima, a oitava, a 15ª varredura de uma dessas heranças benditas que Lula lhe deixou.

Bom, pelo menos, o nome do seu querido ministro, o José Master da Silva, não foi lembrado... Ainda.

Ah, sim, a presidenta está "consternada" com o incêndio na base brasileira da Antártica. Prometeu, inclusive, que vai mobilizar a Brahma e a Skol para retomar imediatamente as pesquisas. Não se pode desperdiçar gelo assim desse jeito... Água é vida!

Epa! Taí um bom título de projeto a ser lançado e terceirizado pelo seu Ministério. Projeto Água é Vida! Nunca na história desse país alguém pensou nisso. Pelo menos com esse nome - matutou Zé, eufórico e cheio de pompa e circunstância.

É por isso que ele não perde um "Café com a Presidenta". Sempre tira alguma coisa que preste. Ela é bárbara! Tártara! Lança ideias e projetos assim ao léu, como se não estivesse dizendo e nem querendo nada.

E então, devidamente abastecido de notificações oficiais, Zé levantou-se, pegou os dois celulares, o cartão de crédito corporativo, assumiu o comando de seu carro seminovo blindado e de chapa branca que lhe cabe, ainda que modesto ocupante de um cargo em comissão de baixo es/calão dessa República dos Calamares, como são todos os chefes de gabinete ministerial. Acionou o controle remoto.

Pronto, o portão instransponível do prédio público que lhe assegura a integridade física e moral de cada dia mal passado e cada noite bem dormida, abriu-se como uma porta de Sésamo para uma nova semana de sol radiante e de missões a cumprir.

Olhou o Pateck Phillip (o rapa na Feira dos Importados sempre deixa um rescaldo para os aloprados mais atentos) que lhe ornava o pulso:

- Noossa! Quase 10 horas da manhã! Hoje a nossa presidenta se alongou demais no seu breakfast. Vou me atrasar para a reunião das 11 - pensou, sacudiu a cabeça e saiu cantando pneu pelo trânsito já descongestionado de Brasília.

Chegou no seu gabinete. A secretária informou que a reunião estava transferida para amanhã, o chefe estava gripado e acabara de cancelar todos os compromissos de hoje.

Cheio de si, pela vacância eventual da chefia, ele tomou os ares de administrador-geral. Convocou um rápido briefing com os 16 servidores terceirizados numa escala ainda mais abaixo da sua e determinou, peremptoriamente, que ninguém tentasse criar qualquer novidade na rotina ministerial.

Todos deveriam esperar que o chefe se curasse da influenza com ares de pneumonia, ou coisa parecida. Que ficassem tranquilos, já que os primeiros diagnósticos do mal do chefe não tinham nada a ver com a epidemia de tumores incuráveis que grassa pela Esplanada e assola o nosso saudável governo.

E a segunda-feira correu normal. Às 11h30 ele saiu para almoçar. Ás 15h ele já telefonava para os companheiros de terceirização combinando o happy hour de sempre, naquela mesma mesa, daquele mesmo bar-restaurante, onde eles resolviam os problemas da América Latina, da ONU e do mundo.

Do Brasil, claro que não falavam. Ninguém mais patriota que eles. O Brasil para eles, não tem problema. Diriam isso, na terça-feira, com todas as letras do novo acordo ortográfico para a mídia persecutória. Eles fazem saber, só não sabem fazer.