O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

9 de ago. de 2009

REMINISCÊNCIAS

ALMA DE GURI
Sérgio Siqueira

Há coisa de muito tempo, tanto que nem é bom falar, eu deixava o canalete da Deodoro para atravessar a Praça Júlio de Castilhos e só depois então chegar ao Colégio Gonzaga. Nesse trajeto eu ia e vinha todo santo dia pela Dr. Amarante, onde ali pela esquina da Osório, me encon-trava com a turma do Deogar, João Félix, Alemão Franz, Wilson Merenda que batiam bola-de-meia ou tentavam engendrar coisas de teatro.

Um pouquinho mais adiante, três guris – Kleber, Kleiton e Kledir - brincavam na soleira da porta da sua casa de cimento-penteado, um cantarolava, outro assobiava e o mais graúdo botava letra em tudo que pensava. Quando eles tinham tempo para interromper suas cantorias e pequenas brincadeiras de mandinhos, me cumprimentavam ou acenavam, ou até nem me davam bola – que não tinham nada mesmo a repartir com um marmanjo que voltava das aulas.

Nós passamos e o tempo nos esperou lá por 1968 quando, já diretor de programação da Rádio Universidade, formando um trio com José Cunha, o diretor-geral e Deogar Soares, o conselheiro artístico, promovemos o 1° Samba Jovem - um festival de MPB aos moldes da velha TV Record.

Aquele sonzinho de calçada se transformara já em mensagens e melodias juvenis. Bonitas de se ouvir, boas de se cantar e assobiar. Kleber, Kleiton e Kledir saíram daqueles palcos entre o pequeno Teatro Gonzaga e o Cine 7 de Abril, para o sucesso dos “Almôndegas”. E foi dali que – a distância - me acostumei a acompanhar a carreira brilhante desses guris lá da minha quadra. (Imagem: palcovivo.blogspot.com).

Sempre torci por eles. Mas nem precisava. Seu talento, sua fidalguia na composição das letras, sua sensibilidade nas mensagens, sua harmonia musical e sua singeleza de alma, me transformaram em mais um dos seus milhões de fãs. Eles nem sabiam disso. Nem precisariam saber, mas me deu vontade de dizer que lhes basta seguir assim como sempre foram, para orgulhar o mundo da arte e da música de uma cidade como Pelotas, a velha Capital da Cultura gaúcha, tida e havida como Atenas Rio-Grandense.

Uma cidade que ainda precisa aprender que não está em nossas mãos o poder de mandar no êxito, mas que cada um de nós pode fazer como esse meninos fizeram: merecê-lo.

Um dia, há mil anos, a OAC Publicidade me encomendou a “abertura” de um audiovisual para a prefeitura de Pelotas. Então escrevi uma prosa que entrou em compasso de verso e que terminava com algo assim como “minha cidade é um céu sempre azul; uma pátria pequena que eu tenho no Sul”.

Outro dia, bem mais tarde, o apresentador de rádio, Clayton Rocha, me telefonou da "patriazinha" para Brasília onde eu já morava e me pediu que escrevesse “alguma coisa para a Feira do Livro que, depois de 17 anos voltaria a ser realizada em Pelotas”.

Editei um palavrão em forma de pequenos casos que a fauna e a flora citadinas me forneceram a vida toda: “Esquina do Aquário”. O livro, azedo e debochado, foi consumido com avidez justamente pelos que me forneceram a matéria-prima para o chiste e a ironia. Nem chegou à Feira e estava esgotado. Depois veio o “Dentro do Aquário” que teve destino idêntico. O “Fora do Aquário” - que deveria completar a triologia do café central da cidade, em cujos balcões e mesas todo mundo sabia quem comia todo mundo, acabou não saindo, por absoluto fastio.

As histórias hilárias e cabeludas que dali brotavam, perderam a graça e o impacto diante do que deputados, senadores, presidentes, seus ministros e seus séquitos têm feito com a vida brasileira.

Esta semana recebi aqui em Brasília, de Valéria Cavalcante, presidente do Fã-Clube Corpo e Alma, juntamente com uma seleção de fotos, a versão da música “Pelotas”. Logo de quem: Kleiton e Kledir. Com singeleza e a delicadeza de sempre, eles resgatam – sem pretensão, apenas com uma gostosa saudade - os bons tempos da nossa cidade, da minha cidade “um carro de boi / que um dia se foi / no rumo da Sorte / Sempre a olhar de frente pro Norte”.

Conto-lhes essas coisas só para mostrar que, ao contrário das minhas mudanças de humor nessa minha relação de amor pelas gostosuras e pequenas raivas contra algumas feiuras da minha cidade, Kleiton e Kledir só se deixam tocar pelo que há de bom e bonito no lugar onde nasceram e para onde sempre acabam voltando.

Pena que o rádio não seja a cores e os jornais não tenham som, mas cantem com Kleiton e Kledir dando um pulo virtuaL ao blog http://www.faclubecorpoealma.blogspot.com/


PELOTAS

Caminhando por Pelotas / Lembrei de quando eu nasci /Num quarto da Santa Casa /No palco do Guarani / Contei paralelepípedos / A caminho da escola /Sonhei ladrilhos hidráulicos / Paredes de escaiola / Pião, bolinha de gude / Pandorga, ioiô, gibi / Bici, carrinho de lomba / Eu sou o mesmo guri / Comi tanta pessegada / Fios de ovos, bem-casados / E pasteis de Santa Clara / Que fiquei cristalizado / E voei até a praça / Passei no 7 de Abril / Os pardais faziam festa / Naquela tarde de frio / Tomei um café no Aquário / “Bem quente, pra ver se aquece” / Agradeci: “obrigado” / E a moça disse: “merece” / Andei a pé na Avenida / Entrei na Boca do Lobo / E fui até a Baixada / Pois era dia de jogo / E naveguei pelo Porto / Fragata e Areal / Três Vendas e São Gonçalo / E praias do Laranjal / É muita guria linda / Eu fico até espantado / Nunca vi tanta beleza / Por cada m2 / O vento nos teus cabelos / Desenha outra escultura / Junto à Fonte das Nereidas / E aos traços da arquitetura / Terra de todos meus sonhos / Princesa do Sul, bonita / O meu amor não tem fim / Como uma rua infinita / Pelotas, minha cidade / Lugar onde eu nasci / Ando nos braços do mundo / Mas sempre volto pra ti.