E, então, celebrando o Dia da Democracia, no mais cínico ritual do que ele mesmo chama de "liturgia do seu cargo" na grande casa de tolerância do Brasil, Zé Sarney vitupera contra a imprensa e diz que "a mídia é inimiga das instituições representativas". Com isso ele faz sua auto-defesa e joga a sua notável biografia de "pessoa não comum" no Sanatório reservado aos amebóides da política brasileira.
Só uma ameba é capaz de alterar constantemente a sua forma em função da emissão de pseudópodes - pseudo quer dizer falso; podo é pé - usados na seu ir e vir pelos corredores e porões dos poderes constituídos, hoje inoculados pelo vírus do crime organizado.
Uma ameba não tem sequer tempo suficiente para memorizar os danos que causa. Sarney é, em tudo e por tudo, uma ameba: é capaz de se reproduzir sexuadamente. Aprende-se ainda no colegial que certos vírus, depois de infectarem as amebas, saem para infectarem outras, aí então levam um pouco do material genético de uma até a outra. Esta outra, por sua vez, diante de mais material genético do que ela necessita, é obrigada a dividir-se, gerando assim um novo indivíduo. Isso até que é bom. É o jeito que a gente tem de, pelo menos uma vez na vida, ter o prazer de saber que ele vai se futricar.
Relembre agora o que Sarney esqueceu de colocar no seu discurso contra a "mídia inimiga das instituições representativas":
Informações privilegiadas da PF
29 de julho - O tucano do Amazonas, Arthur Virgílio e o brizolista do DF, Cristovam Buarque denunciam Sarney ao Conselho de Ética acusando o agente da Polícia Federal Aluizio Guimarães Filho – cedido pelo Palácio do Planalto ao senador na cota de funcionários de ex-presidentes – de passar informações privilegiadas ao empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado.
Sarney teria vendido terras sem pagar imposto
29 de julho - Virgílio e Cristovam protocolam denúncia no Conselho de Ética com base em matéria da Folha de S. Paulo: Sarney vendeu terras sem pagar imposto. A negociação teria ocorrido com a Fazenda São José do Pericumã, na divisa de Goiás e o Distrito Federal.
Quebra de decoro
29 de julho - O Psol entrega ao Conselho de Ética representação acusando Sarney de quebrar o decoro parlamentar de muitas maneiras. Conforme o partido, Sarney omitiu um imóvel em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral, usou recursos públicos de forma irregular por meio da Fundação José Sarney e mentiu ao prestar informações sobre a relação dele com a entidade.
Três representações dos tucanos contra Sarney
28 de julho - O presidente dos tucanos, Sérgio Guerra , protocola no Conselho de Ética três denúncias contra Sarney, baseadas nas quatro ações que Arthur Virgílio propusera sozinho. As três ações do PSDB referem-se às acusações nos casos da Petrobras, dos atos secretos e do crédito consignado aos funcionários do Senado.
O namorado da neta
23 de julho – Virgílio denuncia Sarney por sua suposta participação em uma negociação para dar um emprego no Senado ao namorado de sua neta, Maria Beatriz. A denúncia teve origem em uma reportagem do jornal Estado de São Paulo, em 22 de julho, com áudios da operação Boi Barrica, da Polícia Federal. Nas gravações, Fernando Sarney, filho do senador, diz à filha que precisa falar com Agaciel Maia, ex-diretor-geral do Senado, e com José Sarney, para tentar encaixar o rapaz no emprego.
Acusação de mentir no Plenário
14 de julho – De novo, Arthur Virgílio: ele protocola ação contra Sarney alegando que ele mentiu ao Plenário no dia 9 de julho, quando declarou não ter “responsabilidades administrativas” sobre a Fundação Sarney que teria desviado dinheiro da Petrobras. No dia 10 de julho, o Estadão derrubou a versão do presidente da Casa do Polvo, mostrando que Sarney é “presidente vitalício" e fundador da fundação, e tem como uma de suas prerrogativas “assumir responsabilidades financeiras”.
Desvio de dinheiro da Petrobras
10 de julho – Virgílio entrega pedido ao Conselho de Ética para que investigue o suposto desvio de R$ 500 mil realizado pela Fundação Sarney. Conforme o jornal Estado de S. Paulo, a entidade recebeu R$ 1,3 milhão da Petrobras para digitalizar todo seu arquivo, mas o trabalho jamais foi feito. Denúncia arquivada pelo Conselho de Ética.
Atos secretos
30 de junho – O Psol protocola representação pedindo a investigação sobre a suposta quebra de decoro parlamentar cometida por Sarney. Pela denúncia, durante seus mandatos à frente do Senado, os atos secretos tiveram “suspeição relevante”.
O neto e o crédito consignado
29 de junho - Arthur Virgílio entrega ao Conselho de Ética do Senado um documento com 18 acusações divulgadas na imprensa contra Sarney. No meio delas há denúncias de que vários atos secretos beneficiaram parentes do senador e de alguns de seus aliados. A denúncia mais grave, publicada em reportagem do Estadão, diz respeito ao fato de que o neto de Sarney, José Adriano Cordeiro Sarney, tem uma empresa que negociava crédito consignado para funcionários do Senado.
RODAPÉ - Todas as denúncias foram arquivadas pelo senador reserva do reserva que virou titular da Comissão de É/titica, o carioca Paulo CaDuque. Esse é o cara que chama a mídia de inimiga das instituições representativas. Como não pode ser Deus porque Lula subiria nas tamancas, Sarney se enxerga como uma entidade representativa, sentado à mão direita do outro, bem acima do bem e do mal. (Base do resgate histórico da biografia de Sarney: revista Época).