Desde de que Pelé, um dia - e um dia é coisa que não se pode precisar - disse que "o brasileiro não sabe votar", os canalhas se aproveitaram da técnica de comunicação do "juntar-se aos bons" e estabeleceram a opinião do rei do futebol como se fosse um preceito líquido, certo e absolutamente verdadeiro.
Pois não é. Pelé sabia de futebol. De jogar futebol. Sempre foi péssimo comentarista. Nem Galvão Bueno teve saco para dividir a cabine de narrações das Copas com ele. Na área da política, Pelé foi um atacante bisonho; basta ver o que a Lei Pelé fez com o mundo da bola e tudo quanto ele não fez quando ministeriou o Esporte para FHC que repetiu o próprio mandato, mas não deu replay para Pelé. Até Fernando Henrique achou que não valia a pena ver de novo.
Pelé, no entanto, tem que ser perdoado, entende?! O cara fez mais de mil gols; dedicou o milésimo às criancinhas e disse que a gente não sabe votar porque tinha mesmo um olho vesgo, como um dia, - olha o tempo aí de novo - o comunista João Saldanha garantiu ao torcedor brasileiro quando bancava o técnico da Seleção e contrariava Ernesto Geisel.
Então ele está perdoado. O que o brasileiro não pode perdoar é que esses políticos que se adonaram da coisa pública e estão repartindo e loteando o Brasil entre eles, continuem dizendo a mesma coisa. E com tal insistência que o próprio eleitor já acha que é essa falácia é a mais pura realidade.
O brasileiro não sabe votar, uma pinóia! O brasileiro não tem em quem e nem como votar bem. Quando viu, elegeu Zé Sarney, Renan Calheiros, Fernando Beira-Collor, Jader Barbalho, Zé Dirceu, Palocci, Marta e Eduardo Suplicy, Lula, Dilma e essa pandilha de sevandijas só para ficar com uma parte ínfima da listagem do PT. É que eles, mais que eleitos, são governo de cabo a rabo.
Da oposição, nem é bom falar: entram todos, pela inércia, incompetência, despreparo e os mesmos sentimentos corrosivos que são o pano de fundo do tecido político nacional. Salvo horrorosas exceções.
O brasileiro não vai poder, não vai saber, não vai ter como votar direito enquanto a democracia brasileira se respaldar nos partidos políticos que tem hoje. O sistema eleitoral brasileiro está subjugado, em nome da democracia, a poderosas e intocáveis facções extraídas das mais inescrupulosas camadas sociais. Os partidos são famiglias constituídas ao mais puro modelo da máfia.
Seus padrinhos manobram os cordéis de uma rede de intrigas e malfeitos de tal maneira que os partidos não são outra coisa do que senão uma espécie de conspiração contra o resto do país. A têmpera dominante é a do aproveitador de ocasiões. Não pode ver uma vitrine aberta.
Enquanto perdurar esse conluio entre os donos de partido e seus seguidores; enquanto perdurar essa estratégia de coalizão partidária que só saisfaz necessidades fisiológicas; enquanto o sistema eleitoral continuar ferindo o nosso direito de escolha fazendo do ato de votar uma obrigação punida por lei, então, o brasileiro não saberá e nem terá mesmo como votar direito.
Já está mais do que na hora de o eleitor brasileiro fazer desse jugo, dessa obrigação, um direito. Essa batalha, no entanto é para o exército de Brancaleone, ou para Dom Quixote e seus moínhos de vento.
Resta apenas a este Sanatório parafrasear Dwight Morrow que, em 1930, editou "Campaign Speech" sacando-o da vitrine da literatura, com uma frase aqui adaptada: Se os partidos políticos têm a petulância de se atribuírem o mérito das chuvas, o eleitor brasileiro deve ter a ousadia de, em nome da liberdade de credo, pensamento e expressão, lhes repassar toda a culpa pela tragédia das secas.