O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

16 de ago. de 2009

SÉRIE CULTURA INÚTIL - 1° Episódio

Luiz Inácio Lula da Silva é o 35°/B presidente da República. É que FHC foi o 34°/A, já que - assim como Lula - ele também cumpriu dois mandatos.

Luiz Inácio nasceu em Caetés, no dia 6 de outubro de 1945, mas só foi registrado em cartório no dia 27 daquele mesmo mês e daquele primeiro ano do pós-guerra. Ainda não tinha Lula no meio.

Caetés era distrito, mas virou município de Garanhuns. Garanhuns fica em Pernambuco. Lula é caetita, garanhento e pernambuquinho.

O pai de Luiz Inácio se chamava Aristides Inácio da Silva; a mãe, Eurídice Ferreira de Melo, com um L só. O Mello com letra dobrada é para quem nasceu nas Alagoas. Collor, por exemplo.

Luiz Inácio veio ao mundo como o sétimo irmão de um conjunto de oito filhos. A posição no ranking familiar não tem nada a ver com conta de mentiroso. Pura coincidência do destino.

O menino ainda mal usava fraldas quando o pai se mandou para Santos, em São Paulo, para tentar a carreira de estivador. Levou à tiracolo Valdomira, prima da mãe do nenezinho, com quem começou tudo de novo. Vai ver que diante do novo rebento Aristides se deu conta, ali mesmo, de que tinha dado bola fora.

Perto do Natal de 52, dona Eurídice pegou um "pau-de-arara" e resolveu saber por que o marido estava demorando tanto para voltar. Ficou sabendo que Aristides e Valdomira tinham juntado as escovas dos dentes que tinham. Deu bode. Embuchada de raiva, dona Eurídice pegou os filhos e foi morar com eles num cômodo que ficava atrás de um bar, na Vila Carioca, um bairro de São Paulo.

Desse bairro Carioca é que provavelmente vem o sotaque chiado de Luiz Inácio - que aparece sempre que ele pergunta: "você esta disposto a comer dois pastéis?". E detrás do bar... Ora, detrás do bar veio... Sim, sim é isso mesmo. Essas coisas pegam. O pai dele morreu em 1978. Luiz Inácio já era graúdo, tinha 33 anos. A idade de Cristo. Um prenúncio para provar que há um deus brasileiro.

Vindo ao mundo nu e de mãe nascida analfabeta, alfabetizado enquanto as duas famílias de seu pai, sua mãe, sua tia-política e madrasta compulsória conviviam, Luiz Inácio começou a trabalhar com 12 anos de idade, em uma tinturaria. Outro prenúncio. Ali aprendeu os ofícios da lavagem, serviço de enorme utilidade na vida partidária. Lavanderia é artigo político de primeira necessidade.

Foi engraxate e, como naquele tempo não havia motoboy, ele foi só office. Dois anos depois, os Armazens Gerais Colúmbia lhe propiciaram a primeira carteira de trabalho. Logo se transferiu para a Fábrica de Parafusos Marte que fica aqui na Terra mesmo, ainda distante do mundo da Lua.
Aí, sim. Foi para o Senai e, depois de três anos - ao contrário de dona Dilma Roucheffe - não precisou falsificar diploma: concluiu mesmo o curso de Aprendizagem Industrial.

Em 1963 foi trabalhar na Metalúrgica Aliança. Uma prensa hidráulica tirou-lhe o dedo mínimo da mão esquerda, num rápido e doloroso acidente de trabalho. Daí para diante não se fala mais em trabalho.

Em 1968 Luiz Inácio foi viver em São Bernardo do Campo e logo se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos. Um ano depois foi eleito para a diretoria do clube rebelde. Em 1975 já era presidente do sindicato citadino. De novo um prenúncio: reelegeu-se em 1978, revelando que já gostava de dobrar mandatos. Aproveitou os Anos de Chumbo para soldar essa boa idéia.

Boa idéia mesmo ele teve quando resolveu fundar um partido. Em 1980 ele se juntou a sindicalistas e a alguns intelectuais da Igreja Católica, teóricos da Teologia da Libertação e artistas militantes de vários palcos para presentear o Brasil com o Partido dos Trabalhadores, o ínclito PT.

Sua estrela começou a piscar. Em 1981, pleno governo Figueredo, por causa de uma greve no ABC, por ordem do então ministro do Trabalho, Murilo Macedo, o sindicato de São Bernardo sofreu intervenção e o nosso herói foi detido por 20 dias no DOPS paulista. Nada foi melhor para a populartidade de Luiz Inácio.

Mais conhecido pelo codinome Lula, aproveitou o embalo e incorporou o apelido ao seu registro batismal e passou a assinar Luiz Inácio Lula da Silva. Naquela época a legislação eleitoral proibia o uso de apelidos pelos candidatos. Lula dava o primeiro drible nos legisladores. Prenúncio também: dessa vez antevendo o craque que ele seria na arte de fazer a lei ter a sua cara e o seu jeito.

Em 1982 Lula quis ser governador de São Paulo. Para sua sorte, perdeu. Em 84 estava ao lado de Ulysses Guimarães nos palanques das Diretas-Já. Uma tremenda vitrine.

Naquele ano as eleições foram indiretas, na base de um Colégio Eleitoral. Para não perder o hábito, Lula não entrou nesse colégio. Deu Tancredo Neves na cabeça. Mas o velho mineiro morreu antes de subir a rampa. Tancredo foi o melhor presidente do Brasil.

A sombra da morte de Tancredo abriu caminho para o soturno Zé Sarney. Lula, naquele tempo, não quis ser "fiscal do Sarney". A inflação chegou a 200% ao mês.

Abertamente contra isso - como todo mundo era - Lula foi eleito deputado em 1986, pelo estado de São Paulo com a maior votação de um político até então. Era época de escrever a Constituição Federal. Lula apareceu pela Câmara o tempo suficiente para identificar por lá "300 picaretas".

Seu desinteresse pelo mandato foi tal que não concorreu a sua própria reeleição. Gostava mai$ de se dedicar ao partido. A partir de 1990 armou a teia de diretórios do PT pelo país afora. A rede do PT no Brasil é maior que a do Mc Donalds no mundo. Não por acaso, Lula é seu presidente de honra.

Daí em diante, nuncanessepaís alguém concorreu a tantas eleições para a presidência do Brasil. Lula ganhou até de Rui Barbosa, seu colega extemporâneo de bancas eleitorais. O Águia de Haia perdeu quatro vezes e não ganhou nenhuma. Isso quer dizer que, como presidente do PT, Lula sempre era escolhido pelo PT de Lula para tentar subir a rampa do Palácio.

Em 1989 Lula deixou de ser presidente do Brasil pela primeira vez. Mais do que a eleição, Lula perdeu o debate na TV para Fernandinho Beira-Collor. Aquela bandidagem de falar de um aborto induzido e uma herdeira "por fora", não se faz nem com um guarda de trânsito bêbado. Aquela jogada de, às vésperas da eleição, enfiarem uma camiseta do PT num dos sequestradores do empresário Abílio Diniz e chamarem a televisão, então nem se fala.
Um ano depois, no encontro que passou a atender pelo nome de Foro de São Paulo, inventado para unir as esquerdas na América Latina, Lula empatou em popularidade com Fidel Castro.

Em 1992 Lula apoiou o impeachment contra Fernandinho Beira-Collor envolvido em denúncias de corrupção. Collor, por causa de uma camioneta Elba, renunciou. Itamar Franco assumiu. Lula bateu pra valer o tempo todo em cima do Plano Real.

Em 94 lá estava Lula de novo querendo ser presidente. Perdeu para o tucano intelectual que ao sair da Sorbonne confessou num ato falho que tinha "um pé na cozinha", Fernando Henrique Cardoso. Fernandos, não são a praia de Lula. Não eram.

Tanto é que levou pau de FHC na terceira tentativa, em 98, quando pegou como seu aliado para a vice-presidência, ninguém mais do que o caudilho Leonel de Moura Brizola que o chamara de "sapo barbudo", coisinha de nada para quem está acostumado a engolir os ditos da política. Nada para quem nomeou ministro um Mangabeira Unger que escreveu nos jornais que o governo Lula era "o governo mais corrupto da história do Brasil".

Em 2002, pegando pela frente uma barbadinha chamada Zé Serra, Lula afinal se fez presidente do Brasil, prometendo - dentre outras coisas - criar 10 milhões de empregos.

Sua vitória se deu em 27 de outubro, exatos 57 anos depois do seu registro de nascimento em Garanhuns. Foi na companhia de Zé Alencar do PL, mas muito mais da igreja do Reino de Deus do que da velha turma católica da Teologia da Libertação que já tinha a essa altura a cara de agricultores desterrados, trabalhadores sem teto e cupins e berrugas desse tipo; coisas assim.

Quatro anos depois, Lula protagoniza o repeteco em cima de Geraldo Alckmin e conclui com êxito sua quinta eleição para o Palácio do Planalto, lugar que já habitava com largueza de propósitos. Sempre muito a propósito. E até de propósito.

Com o andar da carruagem o governo Lula criou a fama da estabilidade econômica e deitou-se na cama. O endividamento interno pulou de 731 bilhões de reais em 2002 para um trilhão e cem bilhões de reais em dezembro de 2006. Para contrabalançar, a dívida externa teve uma queda de 168 bilhões de reais. E a gente com issso, né mesmo?!? Quem é que está se lixando para quem?!?

No governo Lula houve incremento na geração de empregos. Segundo o IBGE - que agora só dá a conhecimento os seus dados depois de mostrá-los ao Palácio - de 2003 a 2006 a taxa de desemprego caiu e o número de pessoas contratadas com carteira assinada cresceu mais de 985 mil, enquanto o total de empregos sem carteira assinada diminuiu 3,1%. Já o total de pessoas ocupadas cresceu 8,6% no período de 2003 a 2006. Se alguém fizer o confronto entre as carteiras assinadas e o emprego submerso, verá que ainda faltam mais de nove milhões de vagas para Lula cumprir a promessa.

Nas melhores casas do ramo das políticas fiscal e monetária, o governo Lula caracterizou-se por uma política econômica conservadora. O Banco Central goza, e como goza, de autonomia prática, ainda que não seja garantida por lei, para alcançar a meta de inflação determinada pelo governo. Essa estratégia garante superávits primários ainda maiores que os observados no governo anterior: 4,5% do PIB contra 4,25% no fim do governo FHC.

Os entendidos dizem que esse superávit é alcançado pelos cortes de investimentos. Já o aumento de gastos vêm em forma de ferramentas de transferência de renda como o Bolsa Família, salário-mínimo e o aumento no déficit da Previdência - organismo para o qual ninguém computa os rombos e roubos cotidianos e permanentes.

No primeiro ano de governo, Lula já foi se dedicando à reforma da Previdência, por meio de emenda constitucional marcada pela imposição de uma contribuição sobre os rendimentos de aposentados do setor público e maior regulação do sistema previdenciário nacional.

Pauta maior do governo, a economia foi a área do agrião de Lula que minimalizou os riscos e assumiu o controle das metas de inflação que impuseram ao Brasil a limitação no crescimento econômico. Nisso, o governo Lula foi melhor que o de FHC: realizou taxas maiores do que foram alcançadas durante o governo anterior, com um crescimento médio anual do PIB de 3,35%, contra 2,12% médios do segundo mandato dos tucanos.

Lula não privatizou abertamente organismos públicos como FHC. Lula só particularizou a coisa pública de um modo geral e informal terceirizando e distribuindo cargos em atos secretos e até escancarados também pelo Executivo e Judiciário afora e a dentro, além de promover a transformação do Congresso Nacional em seu 40° ministério.

No triangular inamistoso do governo com a oposição e a Mídia, Lula é campeão. Uma vez presidente, eleito com uma bancada minoritária - PT, PSB, PCB, PCdoB e PL - Lula foi com tudo para a tarefa de cooptar partidos mais à direita do desalmado espectro político brasileiro.

Conseguiu apoio do PP, PTB e - imaginem só que difícil! -com boa, quer dizer, a pior parcela do PMDB. Com isso teve que repartir o poder. Depois de dois anos de governo mantendo maioria no Congresso, o que lhe facilitava a aprovação de projetos de interesse do Executivo, um arranca-rabo interno de disputa de beleza entre os aliados - PT, PSB, PCdoB, PL, PP, PTB - acabou redundando no escândalo do mensalão.

Aí, então, no cândido mês de maio de 2004, o governo se movimentou para expulsar do Brasil o jornalista americano Larry Rohter, do The New York Times. Ele entregou ao mundo a suposta propensão de Lula pela pouco saudável prática de beber. Não foi uma boa idéia.
Por onde passa boi passa boiada. Depois disso, vieram as denúncias do então nobre deputado do PTB Roberto Jefferson, metido até os gornes em esquema de propina na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. A diarréia política resultou em um enorme desarranjo entre o poder Executivo e sua base. Bom para a fome de ataque dos partidos de oposição.

Essa crise alargou-se em outros tantos e mais cabeludos rolos que levaram a certa e preocupante paralisia do governo federal. Teve ministro que deu com os burros n'água e deputados que deram com os costados numa boa e merecida cassação.

Aí a popularidade de Lula atingiu o seu mais baixo percentual desde o começo de seu mandato. Dançaram os ministros Zé Dirceu, Benedita da Silva, Luiz Gushiken, por suspeitas de envolvimento em casos de corrupção ou de prevaricação. Mas Lula não viu nada, não soube de nada, não disse nada, não fez nada. Estava prevaricando e andando pra eles todos.

Em janeiro de 2006, com o desgaste do Parlamento, graças a absolvições de congressistas envolvidos no mesmo esquema, todos eles julgados por seus pares e ímpares por envolvimento em episódios e novelas de improbidade, Lula reage, tira o corpo fora dos escândalos e volta a gozar alto grau de febre popular.

Nem a venda de um dossiê para petistas em São Paulo, com informações sobre supostas irregularidades na gestão de Zé Serra quando era ministro da Saúde, a menos de dois meses do primeiro turno das eleições de 2006, conseguiu diminuir os índices de popularidade luláticos.
A vida corria e, assim por acaso, foram jogados na pá do ventilador casos como o do filho de Lula, Fábio Luís Lula da Silva, o "Lulinha", que teria supostamente enriquecido depois de fechar um contrato de quinze milhões de reais e caqueradas com a empresa de telecomunicações Telemar, da qual o governo é casualmente acionista. Um pouco antes, Lulinha era funcionário do Zoológico de São Paulo. Deu zebra para quem apostava no jegue.

No começo do ano de 2008, uma nova crise: uso de cartões corporativos. Pipocaram - melhor - tapiocaram denúncias sobre irregularidades sobre o uso de cartões corporativos. As acusações levaram à demissão una e indivisível da ministra da Promoção da Igualdade Racial Matilde Ribeiro.
Já o ministro dos Esportes Orlando Silva devolveu aos cofres públicos uma merreca de cerca de R$ 30 mil, incluindo uma nota de goma de tapioca. Com o nobre gesto evitou a demissão. Como só demitiram aquela que mais gastou, fica evidente que, para o seu governo, a honestidade tem tabela de preço.

Houve, nesse balbúrdia a denúncia que acabou num pedido de abertura de CPI por parte do Congresso pelo uso e abuso de um cartão corporativo de um segurança da filha de Lula, Lurian Cordeiro Lula da Silva, com gastos de mais de R$ 55 mil entre abril e dezembro de 2007. A investigação contou com uma abrangência que parte desde o período de governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso que também não é flor que se cheire. Aí, deu em nada.
Na mesma onda, a imprensa trouxe à tona que o Palácio do Planalto montara um dossiê que detalhava gastos da família de FHC e que os documentos estariam sendo usados para intimidar a oposição na CPI, mas a Casa Civil negou a existência do dossiê. Erenice Guerra, braço direito de Dilma Roucheffe disse que tinha montado um "banco de dados". Tudo morreu na praia. Entre mortos e feridos, todos se salvaram. Menos Matilde - a Segregada Degregada.

Meses depois, sob críticas da oposição, a CPI dos Cartões Corporativos isentou todos os ministros do governo Lula acusados de irregularidades no uso dos cartões e não mencionou a montagem do dossiê com gastos do ex-presidente FHC.

Pesquisa do Datafolha, conhecida no dia 17 de Dezembro de 2006, mostrava que Lula era para nada menos de 35% dos entrevistados o melhor presidente que o Brasil já teve. Ao final de 2002, quando passou a bola para Lula, Fernando Henrique Cardoso ostentava 18% de preferência. Depois de Lula, vinham FHC (12%), JK (11%), Getúlio (8%) e José Sarney (5%). É claro que quem respondeu essa pesquisa, nasceu bem depois do descobrimento do Brasil. De lá para cá, depois da consolidação do Bolsa Família que fez esquecer o Fome Zero, Lula deita e rola em termos de popularidade.
Tudo isso foi alcançado de uma forma brasileiramente normal que vem fluindo naturalmente. Note que, assim como nunca mais de falou em emprego para Lula depois do acidente com a prensa hidráulica, jamais se mencionou de 2002 para cá, uma única obra, um quilômetro sequer de construção de estrada. Mas, a política "é dinâmica". Vem por aí, neste mesmo espaço, o segundo mandato. Você não perde por esperar.

RODAPÉ - Até aqui o Sanatório teve fôlego. Logo depois de respirar fundo vem nova coletânea de Cultura Inútil com o segundo mandato. Paciência.