NO TEMPO DAS PORFIAS
Moisés Pereira
Influenciado pela brilhante crônica do Sérgio Siqueira sobre reminiscências, busco inspiração para lembrar um pouco do rádio esportivo que era feito na nossa Pelotas na década de 60.
Vários poderiam ser os aspectos abordados, desde as heróicas coberturas de fora da cidade com as limitações impostas pelas precárias comunicações daquele tempo, até à sadia rivalidade entre as emissoras que faziam transmissões esporti-vas: a Cultura e a Peloten-se até 1967 e a Universi-dade entrando na briga a partir de sua inaugu-ração, aliás, como é até hoje aí incluindo-se a Tupanci.
Escolho para iniciar esta viagem no tempo a linguagem que era utilizada pelos nossos narradores, comentaristas e repórteres numa época em que a TV era incipiente e o Rádio emblematicamente traduzia as emoções que o futebol sempre despertou nas torcidas com grande ênfase e empolgação.
E assim as grandes porfias eram descritas em todos os compartimentos do gramado, a bola branca era laterada para esquerda e para direita dentro das quatro linhas, os ponteiros(do relógio) eram implacáveis, e os artistas do espetáculo tinham seus nomes e sobrenomes citados, bem como a cidade onde tinham nascido. Assim o saudoso Lelo era o DoralícioTápia, de Santa Vitória.
Tinha comentarista que era sem compromisso e brilhava no hiato do espetáculo, outro era professor e ditava cátedra como se mestre fosse, também tinhamos o mais fielmente comentado, além daquele que diziam ser diferente.
Os repórteres sempre muito atilados corriam atrás da melhor informação, chegando à imprevidência de relatar ao sair dos camarins após uma vitória xavante que o "bicho"do Galego (treinador de saudosa memória) era maior que o dos jogadores.
E tinham marcas registradas desde aquele que sempre passava o microfone com um "volta a estar" e outro que chegava ao fim da transmissão com distensão de tanto abraço que distribuia.
As personagens do espetáculo também tinham rótulos hoje esquecidos; o médico era facultativo, o massagista era "kinesiólogo", pode ? O técnico ainda não era professor e no máximo era coach e comandava tambem os treinamentos f'ísicos. Além do famoso coletivo-apronto. O pupilo chegava egresso de alguma cidade e se submetia a testes. O goleiro era guarda-valas ou goalkeeper, e a goleira chamava-se de baliza.
Passando para as incidências no campo de jogo, o escanteio era corner ou tiro de quina e às vezes era de mangas curtas; o tiro de meta era tiro de gol; a bola não saia pela lateral e sim pela linha de lado.
Enfim são apenas algumas lembranças de uma época que embora efêmera foi marcante no meu sonho de consumo, o eterno rádio. Deixo de declinar nomes porque poderia ser traído pela memória e cometer injustiças ou omissões.
RODAPÉ - Moisés sempre foi um bom speaker e, quando a peronha parava de rolar no tapete verde, ele tecia incisivos comentários sobre a contenda que havia chegado ao seu hiato. Não gostava muito dos insiders que abusavam da conga e chutavam de revesgueio, até que surgiram Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé, Sérgio Siqueira - esses bambas que preferiam uma pipoca a um gol de bicanca. Deixou de ter compromisso profissional com o rádio e o esporte das multidões no dia em que o juiz botou o Titico pra fora, mas o Titico endureceu e não saiu.
PS - Na flagrante estão também pousando para a posetridade Zito, Pepe, Zagalo e, inexplicavelmente, Sérgio Siqueira não aparece na foto.Deveria ter compromisso com o Farroupilha nesse dia.