Então tá, não sou rico nem nada, não moro na Europa e tenho um televisor razoável na sala: munido de pipoca, guaraná e um band-aid no calcanhar acomodei-me na poltrona da sala. Sozinho, como gosto de ver futebol.
E, por 90 minutos, mais um século de intervalos inteligentes, comentários e reportagens vi 51 polegadas da “final da década”, uma boa idéia! Tanto é que não precisei desembolsar 5 mil euros para que os cambistas me deixassem entrar no templo sagrado de Wembley.
Precavidos, os dois times entraram em campo sem saber para quem é que Lula – o corintiano mais roxo do mundo nessa horas - enviara, na véspera, uma de suas mensagens de boa sorte dizendo para quem estaria torcendo.
O clássico do Tetra, da Liga dos Campeões começou de verdade quando o perdulário árbitro húngaro, Viktor Kassai, jogou para o ar a moedinha do tradicional sorteio dos lados, ou da saída de bola – nunca fiquei sabendo direito a razão do cerimonial que antecede ao kick off.
Foi nesse momento solene que os dois capitães entraram em disputa: tiraram logo par-ou-ímpar para ver quem ficaria com a moeda. É que os presidentes das duas empresas que viram clubes dentro de um estádio ensinam que no futebol de hoje não se pode, nem deve desperdiçar um centavo. A não ser que prefiram cair de quatro e sair comendo grama.
Para os donos do Barcelona e do Manchester, o esporte por esporte é uma tremenda bola fora.
Vencida a primeira competição da tarde, o massagista do capitão mais ágil teria confidenciado depois a um dos mil repórteres de campo que o dinheiro tinha duas caras.
Reprodução/AFP
Messi jogou para inglês ver.
Ainda nem se realizara o sorteio da Mega-Sena de R$ 37 milhões desse glorioso sábado e Barcelona e Manchester United já tinham faturado 20 vezes mais do que o bolão que a Caixa bate todo santo dia aqui no Brasil. Faz sentido, esse é o Programa de Aceleração do Crescimento do Patrimônio deles lá.
A saída de bola já foi, de cara, um bolão de euros para o lado adversário que impediu o lançamento para a rede de negócios do Barcelona. Os britânicos roubaram o lance e chutaram o business para a zona do agrião da Catalunha, onde queriam investir com profundidade.
A grande jogada, no entanto – merecedora de cartão vermelho - passou em brancas nuvens: Joseph Blatter foi envolvido vergonhosamente por um drible de mestre da tabelinha imbatível Ricardo Teixeira/João Havelange. Nenhum dos juízes teve forças para impugnar o lance. Até porque tudo ocorreu fora das quatro linhas.
Por isso mesmo, Blatter pensa acionar seu departamento de marketing e negociar o lance com as maiores redes mundiais de TV na base do “Vale a Pena Ver de Novo”.
Logo deu para ver: Messi, o pibe argentino que nasceu para o futebol na Espanha é para o Barcelona, o Pelé que Palocci representa para o governo brasileiro: um estrondoso sucesso econômico; Messi não é uma arma do Barça; é um Baú da Felicidade.
Daí pra frente, o Barça impôs seu estilo de jogo “o que é do homem os bichos não comem”. Pegava a bola e não largava.
Aos pouquinhos, como bom telespectador que não é fanático pelo Barcelona, mas é brasileiro com muito orgulho, com muito amooor, descobri o segredo do time espanhol: Daniel Alves! Sem ele, Messi não seria quem e nem o que é e o Barcelona não jogaria nada.
Então, depois de 3.257 passes certos, um atrás do outro, o Barcelona aproximou-se pela vez primeira do arco adversário. Pedro chegou atrasado.
Logo, Messi driblou três vezes cada defensor do Manchester e desperdiçou a jogada deixando Pedro de cara. Só para ele chegar atrasado. Foi isso. Ou quase.
Pouquinho adiante, Messi – graças a Daniel Alves que não interferiu na jogada – atirou de fora da área para uma boa defesa do goleiro inglês, aquele desmancha-prazer.
Em seguidinha, o técnico Guardiola mandou multar Xavi: ele perdeu uma bola no meio de campo.
Um minutinho após, Messi deixou Xavi de frente para o gol. Ele atirou por cima. Merecia ser multado.
O Valencia, zagueiro do Manchester, não conseguia marcar o Messi e o juiz não conseguia marcar o Valência. Por isso, Messi meteu pro Xavi, Xavi meteu pro Pedro e Pedro chegou atrasado e foi assim que abriu o placar. Xavi foi perdoado. Quê multa quê nada!
O tempo corria e o Manchester resolveu correr também, Rooney dominou na intermediária espanhola, tabelou na entrada da área e da marca do pênalti, enfiou na gaveta do Barça.
Aí, depois de outros exatos 3.257 passes certos, um atrás do outro, Messi infiltrou-se pelo meio e, de fora da área, fez um gol bem assim com cara de despedida do goleiro inglês. Messi vibrou como se nunca tivesse sido argentino na vida.
Como eu não queria que o tempo passasse não marquei bem a que altura do tetracampeonato Villa fez o terceiro gol do Barça. Foi um golaço, de curva, no ângulo, no fundo do cofre do Manchester. Milhares de euros escorreram pelo véu da noiva.
Daí em diante, foi só correr pro abraço. Uma missão impossível IV, já que todo mundo só queria abraçar a taça.
Para o presidente do clube inglês, “o Tetra do Barcelona não se compara com o inesquecível Tri do Manchester”. Gosto é gosto; é que nem política e futebol: não se discute.
Ninguém está falando nisso, mas a derrota deixa a impressão de que se instalou uma pesada crise no Manchester. Nada, no entanto, que se compare ao rebuliço de um kit gay, ou que a Marcha da Maconha não possa resolver.
Pronto, feito o carreto!
Só depois do jogo é que me dei conta: acabei não assistindo à tal “final da década”. O que vi na TV foi o choque entre duas grandes fábricas de dinheiro grosso. O Manchester jogou seus 48,8 milhões de euros contra os 39,1 milhões do Barcelona. Dinheiro velho, na verdade, posto que esse total de quase 90 milhões de euros se refere apenas ao que eles faturaram no ano passado.
Cada jogo do Manchester leva, assim por baixo, 76 mil torcedores ao estádio e gera coisa de 3,5 milhões de libras em receitas que curam qualquer dor de cabeça.
As apresentações do Barcelona – ele não joga, dá show – geraram apenas no ano passado, mais de meio bilhão de euros – receita que dá e sobra para pagar os gastos salariais do clube que ultrapassam 235 milhões de euros.
Os ganhos com marketing do Barça pularam de 25,3 milhões de euros em 2003 para 120,9 milhões em 2010. Uma evolução patrimonial de 378% só nessa zona do agrião.
Note-se que esse crescimento se deu em oito anos – tempo igual ao que cada um dos dois últimos presidentes da República levaram para endividar o Brasil.
Os cartolas do Manchester não se abatem. Para compensar os prejuízos de mercado que a derrota proporciona desde já, pensam em contratar um consultor técnico.
Não se iluda, porém. Não, nem o Barcelona e nem o Manchester United, pensam em contratar Palocci como técnico dos seus Programas de Aceleração de Crescimento do Patrimônio.
Em todo caso, só para voltar à vaca fria do sábado esportivo, o jogo foi bom. Mostrou que para os craques do Manchester e do Barcelona “mais vale uma pipoca que um gol de bico”.
Ah, sim... Informação de bastidores: Barcelona e Manchester United já estão se digladiando uma vez mais. A disputa agora é pela contratação do herdeiro de Neymar. Ainda que seja uma menina, eles já projetam a primazia das próximas edições da Copa do Mundo de Futebol Feminino.
Barcelona e Manchester não se preocupam apenas com os seus PACs esportivos; para eles o futebol do futuro é tão importante que exige até um rigoroso planejamento familiar. O pai de Neymar já mandou ele parar com certas atividades extra-campo!
RODAPÉ - Se você quer falar sério sobre o futebol e suas circunstâncias, leia os blogs do Cruz e do Juca Kfouri. Por aqui, a minha pipoca acabou. Fui jantar no vizinho. Ele estava torcendo para o Manchester.