O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

1 de jan. de 2011

Habemus Dilma!

Fotos: R. Stuckert/PR

Protegida da chuva pela capota do venerando Rolls Royce, Dilma - A Católica, acena para os populares que se apinhavam no trajeto entre a Catedral e o Congresso Nacional. As seis seguranças que a ladeavam corriam bem melhor do que o par de espevitados cavalos brancos da guarda dos Dragões da Independência.
Dentro de um tailleur claro, Dilma caminhou em direção ao plenário do Congresso Nacional. Andava com jeito de quem não sabia onde colocar as mãos. Não portava a desaparecida bolsa Kelly.


Logo Dilma foi cercada pelos parlamentares que, como sempre, se cutucavam. Foi o primeiro momento de grande risco da primeira-presidenta: estava sitiada, dentro de um dos metros quadrados mais perigosos de todo o território nacional. Na verdade, saiu incólume. Afinal, estava sem bolsa.

Pior, muito pior do que esse breve confinamento, foi a interminável sessão de beijos, abraços e tapinhas nas costas que teve que trocar com seus sitiantes.


Na mesa oficial do Congresso, Dilma jurou e foi seguida por Temer, a assumir o compromisso de cumprir a Constituição. Logo foram empossados. Com letra esse.

Veio, então, o Hino Nacional, fuzilado na voz desafinada dos cantantes compulsórios. Dados os acordes por findos, Dilma tomou posse assinando embaixo com uma caneta Bic que, já acostumada, atendia pelo codinome de Montblanc saída do paletó de Sarney, o presidente da Casa de enorme tolerância.


Dilma leu o discurso e se emocionou ao dizer "a partir desse momento sou a presidenta de todos os brasileiros". Qualquer um se emocionaria, mesmo que fosse um homem, como um dia foram Lula, FHC e até o próprio Sarney ali ao lado.

Em seguida, um pit stop ligeiro para repassar o batom e ver o que havia com o joelho. Bem comportada, Dilma seguiu o script ponto a ponto, sem um único tropeção - bem assim como espera que seja o seu governo, sem percalços e tropicões. Logo passou a tropa em revista e, já como chefe-maior das Forças Armadas, cumprimentou a bandeira - que drapejou emocionada - e a beijou como nunca antes nesse país um presidente fizera.


E, então, aí sim, desfilou de Rolls Royce com capota arriada, tendo a filha ao lado. Foi desse jeito, abanando, sorrindo para os 30 mil populares contados pelos informantes do Palácio que, seguida de perto pelo Cadillac de Michel Temer e sua Marcela, a primeira presidenta chegou à rampa.


Em todo esse roteiro, Michel Temer fez um único pronunciamento. Foi momentos antes do passeio de carro da presidenta Dilma. Fontes imaginárias vazaram a inconfidência. Dizem que ao entrar no carro ele segredou solene e firme ao motorista: - Siga aquele carro. E mais não disse o tempo todo, porque mais não lhe foi perguntado.

Ordem cumprida à risca, Michel Temer e Marcela chegaram a tempo de acompanhar Dilma na íngreme subida da rampa em direção ao casal retirante Lula e Marisa Letícia. Aplaudiram-se ao concretizar o encontro. Eles sabem que se merecem.

A beleza de Marcela chamou nesse momento, menos antenção do que dona Marisa Letícia que, pela primeira vez nos últimos oito anos, estava mais elegante do que enfeitada. Alguém jura que escutou Lula dizer para Dilma: - Pode entrar que a casa é toda sua.

Subiram ao parlatório do Palácio. Depararam-se com cerca de 30 mil republicanos, sem medo de ser feliz na chuva que deu uma estiada colaboracionista. Houve um pequeno vale de lágrimas e Lula transferiu a faixa para Dilma - dessa vez sem derrubar suas lentes oculares como fez com os óculos de Fernando Henrique, há oito anos.
Reprodução/AE

Um momento histórico, definitivamente histórico: pela primeira vez, um presidente do Brasil beija seu sucessor na hora de passar a faixa. Essas coisas só acontecem com Lula. Ou com o Botafogo.


Lula, de comportamento surpreendentemente sóbrio e recatado, saiu de fininho e deixou o palco iluminado para a nova dona do Brasil. Ela foi elegante o tempo todo. Dirigiu-se - à moda Sarney, mas muito mais feminina - "às queridas brasileiras e queridos brasileiros", referindo-se primeiro às mulheres, como manda a educação e como quer seu coração.

Reprodução/AE

Emocionou-se ao dizer que se sentia emocionada pelo "encerramento do mandato do maior líder popular que o Brasil já teve". Não esqueceu de louvar a valentia e a coragem de Zé Alencar, do valor de sua parceria e da grandeza de suas esposas ao acompanhar os passos de seus líderes.

Resumiu a ópera dizendo que sabe do tamanho dos desafios que oito anos de Lula lhe deixaram como herança bendita. Prometeu mudanças na educação, saúde, segurança; prometeu permanente luta pela liberdade e pelo fim da miséria.

Na hora da água para limpar a voz embargada, ainda que firme, ergueu um gentil e suave brinde no gole que ofereceu com um sorriso feliz às milhares de pessoas que já a amavam como amam a si mesmas pelas beiradas da Praça dos Três Poderes.


Dilma foi, nesse primeiro grande momento do governo que começa, uma primeira presidenta, diligenta, inteligenta e eleganta.

Como aquelas "pessoas comuns", quase todos brasileiros que acompanharam a cerimonia da posse provavelmente acreditaram na sinceridade de suas orações. Oremos nós, pois, para que os mensaleiros, sanguessugas, aloprados ingenuos, cuequeiros descarados, churrasqueiros confiados e lavadores das burras públicas que mudaram Lula, não se metam a promover as mudanças que Dilma prometeu.

Porque, acima de tudo, o brasileiro é um crédulo, oremos.
Oremus que, enfim, habemus Dilma!