PREFERENCIAL NO CONDOMÍNIO,
OU: EU NÃO MORDO NEM LADRO.
Dos meus 40 anos em Brasília, moro há mais de 12 num pacato e sereno condomínio na Região dos Lagos - cercanias do Colorado, a caminho de Sobradinho, cidade-satélite maior que Rio Grande e quase do tamanho de Pelotas, ambas em terras gaúchas, lá onde começa o Brasil.
Como estou - por uma carótida - transformando o andarilhar em hábito, já estava a meio caminho da andança matinal desta terça-feira gorda e pasmacenta. Andava eu pela pista própria para idas e vindas esportivas e saudáveis dos condôminos, um caminho que se compartilha com ciclistas bem comportados, quando não mais que de repente, me deparei a poucos metros de distância com uma madame portadora de três enormes cães de flagrante pedigree e muito bem cuidados.
Suas guias eram finas e tão bonitas quanto seriam inoperantes nas mãos daquela vizinha, caso seus cães resolvessem botar os cachorros em algum tosco e temeroso caminhante como eu.
Interrompi meu quase teste de Cooper. Atravessei a rua, ostensivamente, de cenho franzido. Quando nos cruzávamos a uma distância inútil para mim, na hipótese de ter que fugir de um improvável ataque da canzoada, a madame parou e se dirigiu a mim com uma aparente doçura na voz:
- Não tenha medo, eles não mordem.
- Pois eu também não, minha senhora.
- Desculpe, mas o senhor me deixou constrangida.
- Por favor, me perdoe... Pensei que o condomínio dava preferência às pessoas; como os seus bichinhos ocupavam meu espaço...
- Não precisava atravessar, meu senhor. O máximo que eles fazem é ladrar.
- Foi por isso, vizinha. Eu também não sei latir. Tenha um bom dia, madame.
Para não perder o embalo do meu desforço físico matinal, retomei a minha versão de corrida atlética. Um dos cães me olhou entristecidos; os outros dois se despediram de mim ladrando. Eles não latiam; ladravam. Não ladrei de volta. Segui em frente; a minha carótida já estava de saco cheio. Meia hora depois, cheguei em casa com o Cooper feito.