Ranzinza, eu sou ranzinza! Não era. Fiquei. Fiquei ranzinza, porque essa pandilha de sevandijas, me deixou assim, azedo, mal humorado, amargo.
Tudo na vida passa. A gente aprende, ensina, releva, aguenta, ou chuta logo o pau da barraca, com balde e tudo. Mas, se tem um troço que me fica atravessado na garganta é a hipocrisia, o cinismo, a mentira, ou seja lá o apelido com que você batize a falsidade.
Esse defeito não tem cura e me deixa doente desde os tempos de colégio. Nada como um bom tabefe nas fuças do colega de aula que mostra para o professor que você colando numa sabatina.
Ninguém vai querer escolher um patifãozinho dessa espécie para amigo e companheiro. Você elegeu suas amizades mais antigas pelo coleguismo, pela lealdade, pela segurança de saber que cada uma das suas escolhas estaria com você tanto nas boas horas, quanto nos piores momentos.
Agora, adulto, pessoa de bem, crédulo convicto, você escuta o que um cara diz num palanque e vota nele. E então descobre que se trata de um canalha, um reles mentiroso, um falso que, ao invés de palavra de honra, tem cargos de honra para tripudiar sobre sua ingênua credibilidade e desfiar todo e qualquer fio da sua esperança. Isso faz de você um ranzinza.
Fui ficando ranzinza quando, em 1985, Zé Sarney subiu a rampa do Palácio do Planalto pegando na alça do esquife de Tancredo Neves, o melhor e mais perfeito presidente que essa República já teve. Tancredo não errou nada como presidente eleito, a não ser ter cometido o pecado mortal de não dar carona a Zé Sarney no seu sarcófago.
De lá para cá, a mentira, a dissimulação a hipocrisia virou lei. Não que a Redentora tenha sido um mar de rosas; longe, muito longe disso. Mas ela nunca me enganou. Fechou o Congresso, prendeu e arrebentou; torturou uns que outros, despencou muita gente de helicóptero em alto mar... Mas não dizia que era boazinha. Governou com força desmesurada; governou demais. Não deixou saudade.
E não deixou saudade porque a gente acreditou um dia, num dos mais fortes slogans dos redemocratizadores do País: "A esperança venceu o medo".
A pouco e pouco, no entanto, o que se descobriu e continua descobrindo é que Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma são todos vinhos azedos de uma mesma pipa. Estão há 28 anos no poder e só construíram slogans, frases prontas, mentiras açucaradas. Fazem saber, mas não sabem fazer. Não sabem e nem querem fazer.
Isso me deixa ranzinza. Essa súcia derrubou um ditadura só para implantar gradativa, sistemática e organizadamente, uma nova ditadura para eles mesmos, com jeito e feitio de uma falsa democracia.
O Estado é deles. E então, volta e meia, sobem numa palanque e fazem promessas como se bastasse a sua palavra; como se licitações fossem pedras fundamentais; como se inaugurações tirassem obras do papel.
Se há algum fundo de verdade, vez que outra, em anúncios oficiais de incursões pelos caminhos da prestação de serviços essenciais à população, isso é apenas obrigação.
Não há qualquer necessidade de auto-louvação, nem muito menos necessidade de praticar desperdícios inimagináveis em verbas de publicidade enganosa contando como certo que fizeram ou pretendem fazer o que estão obrigados a fazer. Isso me deixa ranzinza, sim senhor!
Fico ranzinza o tempo todo, porque ainda me vejo capaz de indignar-me quando vejo que a mentira é tão mais eficaz quanto mais se parece com a verdade; ela agrada tanto mais quanto mais ela pareça ser possível. Isso me deixa ranzinza.
Esses mentirosos sabem mentir até com certa graça, mas não vejo graça nenhuma em ver os mentirosos mais inconvenientes e convincentes deslizando pelas margens desse mar de lama que faz fronteira com a verdade e afunda a democracia. Sou ranzinza, sim senhor; sou ranzinza brasileiro, com muito orgulho...