Foto: DIV/Arquivos Implacáveis CEB
Praxiterapia com a Revista Imprensa
Carlos Eduardo Behrensdorf
De Roma
Como a discussão sobre jornalismo continua cada vez mais acirrada a Ala dos Marcha-Lenta na qual me encontro sob tratamento neste ventilado e nem sempre ensolarodo Sanatório da Noticia, cumpri na íntegra a praxeterapia que me foi recomendada.
Assim, no fim de semana que passou, compilei as seguintes entrevistas concedidas com excluvidade à Revista Imprensa que envio, como contrabando, para os outros internos desta casa que não recupera mas agita...
Morte anunciada
Por Pamela Forti, da reportagem, Igor Ribeiro, editor-executivo, Ana Ignacio, da equipe de estagiários
Não são poucos os fatores que, diariamente, castigam o ânimo dos jornalistas. Se ouve de tudo: desde centenas de vagas cortadas nos EUA e na Europa, até a venda de capital de grandes grupos de comunicação, passando pelo literal encerrar de portas tradicionais entre os veículos impressos, como recentemente aconteceu com a Gazeta Mercantil.
Os fatos são nítidos e urgem uma transformação radical do jornalismo, uma completa adequação ao universo digital da web 2.0 e da informação por segundo.
Em sua matéria de capa da edição 250 (outubro de 2009), a revista IMPRENSA investiga sete desses sintomas que indicam a falência do velho modelo jornalístico. A enumeração e análise desses problemas não trafegam pela simples acusação de falhas irremediáveis, mas pela reflexão de soluções que levem à sua superação.
Esse esforço empreendido pela reportagem contou com a colaboração de dezenas de fontes, entre parlamentares, pesquisadores, escritores, empresários, publicitários e, claro, jornalistas.
Parte das valiosas aspas concedidas estão no impresso e, parte, nos links a seguir. São palavras que não só alertam para o frágil momento presente, mas que alentam para a possibilidade de um futuro muito melhor:
ENTREVISTA COM ANDREW KEEN
Visto por muitos como o cavaleiro do apocalipse da internet, Andrew Keen afirma categoricamente que não é contra a tecnologia, mas que seu usuário deve se munir de precauções. É basicamente esse o tom de seu "O Culto do amador", best-seller que verifica como instituições que lidavam criteriosamente com informação e conhecimento estão sucumbindo diante da avalanche de mídias sociais e outras ferramentas digitais da web 2.0. O autor britânico fala, a seguir, sobre alguns dos aspectos preocupantes acerca da sobrevivência da mídia tradicional.
Crise financeira e o “culto do amador”
"Não estou convencido de que teve uma crise de verdade. Assim como o pânico sobre a crise suína, no meu ver, foi exagerado no início, com muitas pessoas morrendo e alta dose de infecção para, depois, se descobrir que era uma versão um pouco piorada da gripe normal.
Nesse universo de novas tecnologias as coisas acontecem e explodem de forma dramática, é essa lógica do mundo da mídia em real time. Tudo que está quente, está fervendo, é massivo. É como no Twitter, tudo é tendência, está no trending topics e, alguns minutos depois, as pessoas esquecem sobre o que falavam tanto e começam a falar de algo novo.
Essa crise global representa um evento de um tempo novo no qual o mundo e a mídia em real time estão fundidos num tipo de experiência surreal, em que viver é como estar numa montanha-russa. Tudo está ficando real time: a economia, a crise, a globalização, a mídia, as pessoas. Tudo está ficando mais e mais a curto prazo. Qual a próxima moda, a próxima gripe, o próximo carro, o próximo aplicativo...? Ninguém mais tenta ter uma visão a longo prazo."
Declínio do impresso
"Todos nós estamos mergulhando na crise dos jornais com eles. Até eu, que sou um grande defensor deles, quando pego um jornal para ler fico impaciente. Não porque não seja bom, mas porque é velho. A ideia disso agora é: se passou de duas horas, é velho! Essa economia em real time vai mudar tudo, vai mudar o jeito que pensamos em nós mesmos, que nós consumimos e produzimos informação. Acho que vai haver profundas ramificações de informação.
Sim, [a transformação que ameaça as mídia tradicionais] é sem volta. Da mesma forma que com a revolução industrial, você não podia voltar à manufatura. Das cidades, você não vai voltar ao campo. Da globalização, você não vai voltar ao Estado de nações. O desafio agora é ir em frente de modo que seja produtivo e se evite cair nas velhas armadilhas do passado. Sem simplificar a situação e usar isso para se dar bem e desprezar as outras pessoas."
Para entender o momento
"Acho que tem três jornais que devem ser lidos para compreender esse momento: The Wall Street Journal, The Finantial Times e The New York Times. Se ler esses três constantemente, você vai ter uma ideia razoável, vai reunir conhecimento o suficiente para digerir essas informações e tentar imaginar o que acontecerá com o mundo, apesar da linha de cada um e do jeito de cada um.
Eu não gostaria de culpar a tecnologia, mas se as pessoas estão achando que podem se informar consistentemente apenas lendo o que se passa na internet, sem procurar informações de qualidade, elas estão se enganando. Tudo bem, há páginas de jornais como os que eu citei, há vídeos da BBC, da CNN e de outras redes, mas tem trabalho por trás disso. E a tecnologia quer nos poupar o trabalho. Por mais que isso tenha suas qualidades, as pessoas devem se esforçar por buscar além disso, sair desse círculo individualista de ignorância, narcisista. Se as pessoas não fizerem isso, estaremos vivendo num mundo cada vez mais tenebroso."
Prováveis soluções
"A internet tem que criar mecanismos nos quais as pessoas poderão se encontrar e dividir conhecimentos apesar de suas crenças e teorias serem diferentes. Porque até agora a tendência é de as pessoas procurarem a rede para confirmar aquilo que já pensam. As pessoas não falam umas com as outras num sentido construtivo. Provavelmente esse não é um mal da internet, mas um reflexo de outros problemas da sociedade. Mas a rede amplifica isso, acelera isso e coloca em real time.
É verdade que as pessoas tendem a hostilizar as grandes instituições de mídia. O que acontece muitas vezes é usarem como exemplo um grande erro cometido por um ou outro jornalista, e tomarem isso como base. Mas em todas as carreiras há aqueles profissionais que cometem erros, correto? Os médicos, os advogados, etc. Então não devem se agarrar a isso para criticar a grande mídia, porque ela ainda é fonte para um universo mais confiável.
É verdade que foram levadas, até agora, de um jeito familiar e tradicional que pode ter dado abertura para certas doses de corrupção e desonestidade, por isso devem mudar, devem atravessar essa fase e se modernizar. A grande mídia pode funcionar. Ela produziu muito lixo, mas também muita coisa boa do século 20: produziu o New York Times, produziu "Um Corpo que cai", produziu Rolling Stones e Bob Dylan."
Mídia tradicional incentiva a WEB 2.0
Mídia tradicional incentiva a WEB 2.0
"O próprio jornalismo tradicional colabora com isso de vez em quando. A Time publicou recentemente duas matérias numa mesma edição. Uma era sobre uma pesquisa trabalhosa cujos dados revelavam que talvez no futuro uma média de desemprego de 15% da população seja uma média real e constante. É muito interessante e influente sobre nosso cotidiano, sobre nosso planejamento de vida. Uma matéria muito importante. Ao mesmo tempo tinha uma matéria sobre Facebook, que mostrava como as pessoas usavam essa rede social para bater papo com ex-namoradas. Tipo de coisa estúpida e irrelevante. Mas essa matéria do Facebook era o destaque naquela semana.
Acho que Chris Anderson [autor de "A Cauda longa" e "Free", rival intelectual de Keen], até tem razão num certo sentido que, mais do que dar gratuitamente ou cobrar por um preço mínimo por conteúdo, as novas economias vão ter de criar bens que permaneçam por cima e sejam desejáveis, apesar de seu preço.
Mas ainda assim fica uma questão fundamental sobre como eles vão criar uma subsistência para prover esses bens ou conteúdos, que podem ser muito mais dependentes dessa parcela que decidiu pagar por ela do que se pensa."
ENTREVISTA COM CECÍLIA MATTOSO
Pesquisadora e Professora da ESPM-RJ e da PUC-RJ nas cadeiras de comportamento do consumidor, marketing, marcas e comunicação, Cecília Mattoso trabalhou nas áreas de marketing e treinamento em empresas como Amil Assistência Médica, ACL e Coca-Cola. Hoje também é consultora de companhias como Sebrae, Petrobras e Cimento Mauá. Especializada no impacto que a propaganda tem sobre o consumidor, especialmente de camadas mais pobres, Cecília explica como a verba publicitária tem se utilizado de expedientes alternativos aos veículos tradicionais para atingir seu alvo.
Verbas demídia migram para entretenimento
ENTREVISTA COM CECÍLIA MATTOSO
Pesquisadora e Professora da ESPM-RJ e da PUC-RJ nas cadeiras de comportamento do consumidor, marketing, marcas e comunicação, Cecília Mattoso trabalhou nas áreas de marketing e treinamento em empresas como Amil Assistência Médica, ACL e Coca-Cola. Hoje também é consultora de companhias como Sebrae, Petrobras e Cimento Mauá. Especializada no impacto que a propaganda tem sobre o consumidor, especialmente de camadas mais pobres, Cecília explica como a verba publicitária tem se utilizado de expedientes alternativos aos veículos tradicionais para atingir seu alvo.
Verbas demídia migram para entretenimento
"De fato entretenimento tem um papel muito grande, mas não quer dizer que essas pessoas não queiram se informar. Pelo contrário, elas dão valor à informação e se sentem bem em estarem bem informadas. O próprio 'Jornal Nacional' tem penetração muito grande nas camadas populares."
Novos formatos para a publicidade
"Hoje a publicidade não tem limite, então a discussão é essa... Até onde a publicidade poderia ir? Tem em estádio de futebol há muito tempo. Supermercados, balão, cartaz em bicicletas, avião passando na praia... São milhões de mídias alternativas e você vai se sentindo consumidor nos lugares mais inusitados.
O break comercial está perdendo muito do interesse que as pessoas tinham. O excesso de informação está cansando o consumidor. Os profissionais de comunicação estão buscando o momento em que as pessoas estão com essa guarda mais baixa. Em que essa vigilância perceptiva está com a guarda baixa. Quando a pessoa, por exemplo, está vendo uma peça, totalmente entretida, e entra um merchandising, e o consumidor está ali totalmente desprevenido. Ou em rádios como Oi! FM, e a marca está entrando em sua vida quando você está mais distraído. Em situações em que você está de melhor humor, você tende a guardar mais aquele produto.
A propaganda invasiva tem cada vez menos interesse. Existe a uma receptividade das pessoas àquela publicidade e querem a notícia também. O problema é que hoje tem como ela obter essa informação dos produtos sem ter que comprar um jornal e buscar os anúncios. Tem, por exemplo, na internet, dá para ir lá e procurar uma promoção. E tem muitos outros canais para procurar, então acaba diminuindo um pouco a verba para mídia noticiosa. Mas ainda tem a questão do hábito, que mantém muita gente nas mídias tradicionais."
Aumento do bellow-the-line
"Tem gente com ideias mirabolantes, especializadas em bellow-the-line, por exemplo, com bicicleta com cartaz atrás circulando na orla, blitze na rua para promover óleo para carro. São ações em locais que chamam a atenção, são inusitadas, mas sempre intimamente ligado ao produto. Não é chamar a atenção por chamar a atenção.
Teve até uma campanha que fez sucesso da [rede americana de TV] CBS, que tatuaram no ovo a programação daquele dia na emissora. Então o sujeito, de manhã, ia fritar um ovo, que americano adora esses cafés com bacon e ovos, e quando ele pegava o ovo tinha a programação da TV escrita nele!
O recall de marca foi altíssimo, não teve quem não percebesse a marca. Essa amplitude gerou uma discussão sobre onde vai parar. No ovo, pode? Na praia, pode? Na escola, pode? Então isso vai suscitar uma discussão ética para não saírem por aí achando que podem fazer de tudo."
Acesso crescente à tecnologia
Acesso crescente à tecnologia
"Hoje, em comunidades populares, você tem três lan houses por quarteirão ou mais. Ou também no trabalho, mesmo um faxineiro consegue, vez ou outra, ter acesso à internet no trabalho. E vai popularizando o acesso, mesmo não tendo computador em casa. Num estudo em Caxias percebemos que, assim como acontecia antigamente, quando telefone não era comum e as pessoas iam falar na casa do vizinho, o mesmo tem acontecido com internet. Muita gente que tem computador em casa com conexão simplesmente aluga ou empresta para o vizinho usar."
ENTREVISTA COM MIRO TEIXEIRA
Deputado pelo PDT-RJ, Miro Teixeira foi um dos autores da ação que pediu, junto ao Supremo Tribunal Federal, a extinção da Lei de Imprensa, acatada pelos ministros em maio. A seguir, o político e advogado reforça a inutilidade da antiga legislação, ressalta a necessidade de regulamentação da profissão de jornalista e critica a pouca influência que a mídia brasileira tem exercido sobre os anseios da sociedade.
A falta da lei de imprensa
"Eu cito o ministro Carlos Ayres Brito, que usa um bom exemplo. Em 'A Insustentável leveza do ser', de Milan Kundera, Teresa vivia subjulgada pelo marido e, no dia em que se livrou do jugo, sentiu falta daquele peso que lhe arqueava as pernas. Acontece o mesmo com a Lei de Imprensa: tinha-se um peso em cima do qual agora sentem falta.
O Direito de Resposta, como diz a Constituição, existe, e é proporcional ao agravo. E se tem acesso a isso pelo Código para aplicá-lo. Então não tem ausência. Assim como existe o direito de indenização."
Fim do diploma não tem a ver com liberdade de expressão
"O jornalista, raramente, omite opinião. O trabalho em si é lidar com informação noticiosa. Então apresentei um projeto regulamentando a profissão de jornalismo que não se choca com a posição do Supremo. Mantenho o livre exercício de profissão. No serviço público é exigível o diploma, porque é preciso fazer concurso e ter habilitação para o cargo pretendido. Faculto o registro do diploma no Ministério do Trabalho. O jornalista pode ser um free lancer e não vai andar com o diploma debaixo do braço, ele precisa andar com algo que comprove sua qualificação. E o jornalista tem o direito do sigilo de fonte, então é preciso dar garantias para que ele mantenha isso quando necessário. E mantenho o piso salarial.
Se não se rever isso, os grandes veículos não terão problemas, pois continuarão preferindo contratar jornalistas diplomados. Mas em veículos pequenos e cidades pequenas os jornalistas podem ficar sujeitos a fazerem coisas que não dizem respeito a sua função, atendendo à vontade de seu empregador ou do grupo político que controla o jornal."
Medo do silêncio
"Na minha sustentação contra a Lei de Imprensa, lá no Supremo, disse: 'Eu tenho medo do silêncio.' A notícia divulgada pode estar errada, mas pode ser contestada, ela pode ser desmentida. E o silêncio? A falta de protagonismo [da imprensa] vai muito por aí, no silêncio sobre aberrações que acontecem.
O jogo de indenizações e de direitos de resposta intimidaram muito. E essas pessoas ainda estão sentindo o peso daquela personagem do Milan Kundera. Antes, quando existia a Lei, as indenizações eram um terror enorme, em todos os jornais. Nos EUA, foi levado à Suprema Corte, que decidiu contra o agente público. Pois se alguém do governo puder requerer indenização, a mídia perderá seu poder de fiscalizar. Foi no caso 'New York Times vs. Sullivan', onde o juiz William Brennan foi o redator da opinião da corte, que virou uma referência.
As ações de indenização, segundo o entendimento de então, podem ser mais nocivas à liberdade de expressão do que a prisão - elas podem fechar um jornal. 'Esta nossa nação', dizia a decisão 'ficaria completamente desprotegida da fiscalização da imprensa'."
Fábrica de liminares
Fábrica de liminares
"É o pior dos mundos. É pior do que a censura da ditadura, que era caso de polícia. Na democracia estamos experimentando a censura disfarçada, travestida de legalidade, por decisões judiciais. Daí fica mais difícil o combate a ela. Porque exige muita explicação. Quando é imposição do ditador, é simples supor, é fácil entender. Em forma de decisão judicial, ganha cara de legalidade, de austeridade, e é terrível! Não existe qualquer possibilidade de interpretação do texto constitucional que remeta a legalidade dessas decisões. E pelo contrário, é clara a Constituição ao dizer que não há censura em hipótese alguma.
O direito à informação é uma luta dos cidadãos! O que falta é tempo. Estamos no enfrentamento de uma questão cultural. As autoridades de um modo geral se consideram intocáveis. Uma herança de outras épocas. Então vencer uma luta cultural demanda tempo, que vai ser até mais rápido do que eu pensava. Rapidamente vai chegar ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, onde, tenho certeza, será definitivamente impedida [a liminar contra o Estadão]. Está havendo uma cautela para não suprimir instâncias judiciais, do primeiro grau, pelos tribunais, até chegar ao Supremo, de onde surgirá uma súmula vinculante, eu não tenho a menor dúvida. Mas são 26 casos, o do Estadão é o mais notório."
ENTREVISTA COM FÉLIX XIMENES
Ele é o porta-voz brasileiro de uma das empresas mais amadas e odiadas pelos jornalistas mundo afora: Google. Diretor de comunicação da multinacional de tecnologia digital, Felix Ximenes atesta que o exercício pleno da atividade jornalística continua fundamental, mas seu modelo de negócio precisa de reformulação urgente. Explica porque a mídia tradicional permaneceu datada e que paradigmas da web 2.0 poderia seguir para tentar adequar-se aos novos tempos.
Google não produz, só indica
"Jornalismo deve continuar sendo exercido. A necessidade é revisar o modelo de negócio. Parques gráficos são caríssimos, e a distribuição está cada vez mais cara. É uma continuidade da crise dos anos 1980. E a internet mudou a expectativa do usuário. Adversário maior que é o tempo, a velocidade.
Os mecanismos de busca, principalmente, se mostraram eficazes para encontrar essas coisas, com um baixo custo de produção, com ferramentas que se mostraram um modelo econômico muito viável, principalmente o Google. Mas nós não geramos nem agregamos conteúdo, só indicamos onde ele está.
Qualquer webmaster de um grande site de notícias pode fazer um comando de poucas linhas que tira o seu portal das buscas do Google. Mas ninguém faz isso porque reconhece que damos um grande número de pageviews."
Matérias on demand
Matérias on demand
"Ninguém achou nenhum modelo de negócios que responda a crise dos veículos norte-americanos. A grande pergunta é se tem um usuário que está disposto a pagar por conteúdo on-line. O que observamos no desenvolvimento de tecnologia, participando dessa discussão toda, é o surgimento do que alguns novos executivos têm chamado de 'atomização do consumo de mídia'. Então muita gente queria ouvir uma música, mas não queria comprar o álbum inteiro.
A Apple inventou o iTunes e disse assim: 'toma, aqui está a música que você quer por 0,99 centavos'. E isso foi um sucesso comercial. A mesma coisa aconteceu com vídeos, on demand, trechos curtos, que diminuiu aquele medo da indústria de cinema, aquele fantasma da pirataria.
Talvez seja do interesse dos veículos em vez de vender a assinatura, o conteúdo inteiro, vender sob demanda. As matérias que atraírem o leitor seriam pagas separadamente, através de um serviço feito para aquilo. Mas é mais um modelo para se pensar, a gente não sabe ainda como vai ser.
O modelo de imprensa baseado na produção física e na consumação física está em crise. Há uma exigência do consumidor de notícia na internet por sensibilidade, customização e democratização - não quero só receber conteúdo, mas também fazer e comentar conteúdo."
Publicidade na internet
"A Google distribuiu 5 bilhões de dólares no ano passado aos parceiros de conteúdo pelo sistema do AdSense. Além disso, os produtores de notícia podem ter os próprios sistemas de banners, players e outros anúncios interativos. Há um universo enorme de novas possibilidades de publicidade on-line que os veículos não estão atentos ainda. E isso tem menos a ver com a produção jornalística do que com a atividade comercial e publicitária.
Esse fator comercial ainda é muito incerto, mas é fato que o jornalista vai continuar sendo o grande intermediador e mobilizador da sociedade. O problema é que a imprensa ainda busca se agarrar a um modelo de negócio que está sendo questionado e ainda não mergulhou para encontrar novas respostas sustentáveis, e aparentemente tem vários.
Temos notícias de parceiros de conteúdo ou de grupos de parceiros que hoje vivem exclusivamente da renda gerada pelo AdSense. No Brasil são casos isolados. Mas nos EUA, na Europa ocidental e no leste europeu é uma realidade bem estabelecida."
Jornalismo é insubstituível
"O valor do conteúdo jornalístico é inestimável. Posso encontrar um bom texto no site de uma empresa, mas sem a credibilidade que transmite o jornalista, que vai além do tino para notícia, mas tem também o timing e o faro para encontrar o que é relevante. Isso conquista o respeito do leitor.
É animadora a clareza que o Chris Anderson tem para falar desses fenômenos. Então faz sentido que nenhum leitor queria pagar por toda notícia que consome on-line, mas esteja predisposto a pagar por um conteúdo Premium, que é do interesse pessoal dele ou fundamental para seu negócio. E esse é mais um modelo que pode ser uma saída.
Hoje a gente vê poucas ações inovadoras nessa área. Ou porque [as empresas da velha economia] não acharam ainda ou porque simplesmente não mudou. Espero que muita gente boa esteja pensando nisso para o sucesso de todos nós, porque há demanda por conteúdo de qualidade na internet. O jornalismo sempre foi muito bom em comunicar, mas talvez nem tanto em ouvir do seu leitor. E a sociedade está aí, querendo participar. Então ou damos um jeito de botar esses caras a bordo, ou eles vão zarpar sem a gente."
ENTREVISTA COM EDUARDO ARIENTE
Além de mestre em direito pela USP e professor de deontologia e legislação do jornalismo na Escola de Comunicação e Artes da mesma universidade, Eduardo Ariente tem envolvimento antigo com questões pertinentes à legalização de rádios comunitárias e quebra de monopólios de grupos de comunicação.
Além desses assuntos, o advogado fala sobre os problemas trabalhistas que a queda do diploma poderá causar e da pouca efetividade que a legislação sobre concessões de rádio e TV tem no país.
Falta da Lei de Imprensa
"É fato que, a não ser para o direito de resposta, o Código Civil e o Código Penal poderiam ser aplicados sem problema. Agora discute-se em botar teto nas indenizações, como tinha na Lei, porque só se prevê que seja adequada ao dano sofrido.
Direito de resposta tinha especificações que não existem fora da Lei de Imprensa. Só a Lei Eleitoral é tão detalhada nesse aspecto. Agora vai depender da criatividade do juiz, desde que seja adequado e proporcional. Bom senso todo mundo precisa ter, não tem que ter uma lei te dizendo para ter bom senso. E tem outra, se tiver um caso que envolva o Twitter, por exemplo, vai ter direito de resposta específico? O juiz que vai determinar de acordo com aquilo. A lei sempre vai vir depois da tecnologia, não adianta.
O problema no Brasil é que os juízes costumam ser muito positivistas. Eles precisam de lei. Se estão tomando medida e não tem lei específica, se sentem desconfortáveis."
Diploma: o buraco é mais embaixo
"Se estivessem de fato preocupados com liberdade de expressão, iam mexer na questão do monopólio dos meios de comunicação, em concessão de rádio e TV, participação de políticos nas eleições por meio de veículos de comunicação. Esse negócio de diploma é secundário. Não altera absolutamente nada. É perfumaria, bobagem. Há questões muito mais sérias para serem debatidas de que pouco se fala.
Os efeitos disso são questões delicadas, como monopólios intactos e uma degradação, precarização da regulamentação dos profissionais de comunicação. Querem legitimar a desregulamento da profissão à custa da ausência de pagamento de direitos trabalhistas.
Estamos muito acostumados a exigir ética do jornalista, do indivíduo.
Estamos muito acostumados a exigir ética do jornalista, do indivíduo.
Deveríamos começar a cobrar isso dos veículos. E se é para discutir ética, porque eles não começam a dar o exemplo regularizando direito trabalhista? Fazer o Ministério Público do Trabalho começar a mover ação contra as empresas de modo que parem de contratar profissionais sob o manto de Pessoa Jurídica, como se fossem mero prestadores de serviço.
É fraude. Não se pode terceirizar a atividade fim da empresa. Mas o mercado de trabalho para os comunicadores está tão difícil, que esses profissionais se submetem a essas circunstâncias."
Grande mídia e informação sob controle
Grande mídia e informação sob controle
"Os grandes meios de comunicação se beneficiam de leis que têm de ser modernizadas. Eles fazem o que querem, e o governo não toma medidas eficazes. Tem um decreto de 1983 que é a popular gambiarra: se a concessão tiver vencida, ela pode continuar a funcionar até que seja apreciada. Então tem concessão vencida há dez, 12 anos aqui em São Paulo, com base nesse decreto.
Era necessário um órgão governamental que gerenciasse isso com maior rigor. A Anatel só cuida de parte técnica. Se dá um problema grande, como prestação de serviço, ela costuma passar para o Minc, e daí fica pulando de um para o outro. Então, para adequar esses abusos, precisava de outro mecanismo, específico.
O ponto é: tem que quebrar monopólio e propriedade cruzada. Esse é o único modo possível de se falar em liberdade de expressão. Só assim daremos espaço para sociedade civil, governo, empresários e todos outros interessados falarem. E isso não existe no Brasil.
Como diria Hebert Marcuse, você não precisa depor um governo democrático para instalar um Estado ditatorial. Você pode fazer isso num sistema capitalista tranquilamente. E uma das maneiras de fazer isso é controlar a informação.
Tem gente que se desculpa dizendo que aqui tem liberdade de expressão. Que eu posso ir lá montar um blog ou você fazer um jornal que todo mundo tem direito. Mas isso é bobagem. Quando a gente fala de comunicação, é sobre a capacidade de mudar comportamentos em escala. Ou seja, usando a televisão e o rádio no Brasil. Liberdade de expressão quem tem é dono de veículo. E só."
ENTREVISTA COM LARYY ROTHER
O estadunidense Larry Rohter foi correspondente do New York Times no Brasil entre 1999 e 2007, além de ter trabalhado no país também pelo The Washington Post e pela revista Newsweek. Para o jornalista, a influência do Estado sobre a imprensa é algo que sempre existiu e que hoje é quase banal. A seguir, Rohter fala sobre essa relação de poderes, problemas com Lula, crise nos jornais impressos americanos e o papel do jornalismo hoje.
Relação estado e meios de comunicação
"Acho que sempre existe uma tensão entre a nossa responsabilidade como jornalistas em informar o público, o eleitorado e o desejo de um governo em controlar o fluxo de informação e sempre apresentar a melhor imagem possível da obra e das forças daquele mesmo governo. Alguns governos ou governantes realmente vão além do permitido no sistema democrático.
Quando eu era correspondente na Venezuela acompanhei as primeiras tentativas do Hugo Chavéz em sufocar uma imprensa livre e o que estamos vendo hoje com o Globovisión é o reflexo mais recente dessa tendência autocrática. O episódio com o Clarín e o casal Kirchner obviamente mostra como essas tensão existem na sociedade Argentina.
Não sei quem foi o responsável no último incidente na redação do jornal Clarín, mas suspeito que foi o Néstor Kirchner e não a atual presidenta, porque acho que ela é mais astuta nesse jogo político, acho que não faria uma coisa tão boba. Mas seja quem for o responsável, é preocupante o que aconteceu.
No caso do Sarney com o Estadão foi muito exagero. Eu estranho um pouco o Sarney tomar uma posição dessas, porque ele é raposa, veterano do jogo político e tomou uma atitude estranha e obviamente antidemocrática. Até que o Estadão tenha plena liberdade de publicar as matérias que tem recorrido é censura, disfarçada não sei, pra mim continua sendo uma censura sem disfarce."
Caso com Lula
"Acho que foi o próprio presidente que reagiu [contra polêmica matéria de Rohter que em 2004 destacou os hábitos etílicos do presidente]. Não sei se isso é uma manifestação de uma política de Estado ou espasmo autoritário de um governante, acho que foi a segunda. Acho que foi um episódio isolado, no meu caso. Sei que a imprensa brasileira sofreu pressão e continua sofrendo pressões do governo nas mais diferentes modalidades.
Eu tenho que dizer uma coisa sobre Fernando Henrique Cardoso: ele aguentou a crítica com uma serenidade que eu achava impressionante. Com o PT é um pouco diferente, porque ele acha que é dono da verdade, que o PT aponta o único caminho correto e qualquer crítica é mal intencionada, antipatriótica, ou parte de uma campanha de difamação dirigida pelas agências de inteligência dos EUA, como alegaram no meu caso. Que bobagem.
Claro que eu sabia que o governo não ia gostar da matéria, mas as dimensões que a situação tomou, isso sim me surpreendeu, a ordem de expulsão foi uma surpresa desagradável. Já fui preso duas vezes na ditadura do Pinochet, no Chile, fui expulso de Cuba durante a crise de Mariel em 1980, tive desavenças com o governo chinês quando era correspondente lá e aqui no Brasil durante a ditadura, em 78, quando andei fazendo uma investigação da guerrilha do Araguaia em Marabá o governo do Geisel tentou me prender.
Fui preso também no Panamá, na ditadura do general Moriega. Estava cobrindo manifestação na rua e me prenderam, me ameaçaram etc. O jornalista incomoda. E quando esta fazendo um trabalho que incomoda, às vezes os governantes acham que a solução é prender ou expulsar. Acho isso, não vou dizer normal, mas acontece. E o jornalista tem que aprender a viver com isso. Agora é sempre importante contornar um episódio desses."
Situação dos jornais americanos
Situação dos jornais americanos
"Está sombrio. Nós estamos vivendo algumas dificuldades [no New York Times], mas nosso compromisso é com a qualidade e uma cobertura ampla do país e do mundo continua intacta. Mas você vê que outros jornais estão fechando sucursais no exterior, reduzindo o número de correspondentes em Washington e nas capitais dos estados por necessidade econômica.
Não sei como vai ficar. Na verdade acho que as redes de televisão estão sofrendo mais e as revistas semanais também. Chego aqui no Brasil e acho impressionante ver como uma revista como Veja continuar com tantos anúncios e os jornais também. Dos quatro mais importantes, nacionais, parece que só o JB está sofrendo muito, muito mesmo. Ver um jornal no domingo ou no sábado e ver a fartura dos anúncios me dá inveja."
Papel do jornalismo
Papel do jornalismo
"Tem mudado. Com o surgimento desses novos mecanismos, sobretudo a internet, o processo mudou e o leitor tem mais possibilidades de conversar com o jornalista, o editor. Virou um processo muito mais interativo, eu acho. Mas sempre haverá a necessidade de um jornalismo bem feito.
Você pode falar de plataforma, mas a necessidade em si nunca vai desaparecer numa sociedade democrática. Que existe uma crise, existe, mas seria catastrófico falar no fim do jornalismo. O bom jornalismo sempre vai encontrar um canal de se expressar. E o leitor que valoriza a informação sempre vai encontrar uma maneira de ler aquele jornalismo, seja num site, num jornal."
ENTREVISTA COM DERRICK DE KERCHOVE
Doutor em língua e literatura francesas pela Universidade de Toronto, Canadá, o belga Derrick de Kerckhove é considerado o herdeiro intelectual de um dos mestres das teorias da comunicação, o canadense Marshall McLuhan. Uma de suas mais significativas pesquisas fala sobre a forma como a mídia pode revolucionar a maneira de se pensar e de se adquirir conhecimento, tema abordado a seguir entre questões que tangem as velozes mudanças por quais passa a comunicação social.
Morte do jornalismo
ENTREVISTA COM DERRICK DE KERCHOVE
Doutor em língua e literatura francesas pela Universidade de Toronto, Canadá, o belga Derrick de Kerckhove é considerado o herdeiro intelectual de um dos mestres das teorias da comunicação, o canadense Marshall McLuhan. Uma de suas mais significativas pesquisas fala sobre a forma como a mídia pode revolucionar a maneira de se pensar e de se adquirir conhecimento, tema abordado a seguir entre questões que tangem as velozes mudanças por quais passa a comunicação social.
Morte do jornalismo
"O jornalismo perde terreno rapidamente para a mídia pessoal, como todas as extensões da mídia tradicional na internet, como o YouTube e a ITV, ao invés dos telejornais. Os números contam a história. Nós gastamos cerca de seis horas em frente a uma tela. A TV representa apenas duas horas desse total, contra 4,5 de uma década atrás. A internet equivale a três horas por dia; a última hora corresponde à tela dos telefones celulares.
O jornalismo não está morto ainda, mas está em processo de mudança. Há uma coisa chamada 'jornalismo cidadão', uma espécie de sistema de alerta para as comunidades em situação emergencial. Blogs também estão atuando como um tipo de jornalismo postiço e espontâneo.
De qualquer maneira, ainda há a necessidade de ter uma mídia principal, porque as pessoas continuarão precisando de uma diretriz, de formadores de opinião além dos blogs e editoriais, além dos twitters."
Acesso permanente
Acesso permanente
"As pessoas querem personalizar suas fontes de informação, com dados disponíveis on-line, para compor suas 'notícias sob demanda', em qualquer lugar, a qualquer hora e em qualquer plataforma. Eu também penso que qualquer coisa on-line está tecnicamente acessível de modo permanente, assim como um pensamento está tecnicamente acessível o tempo todo em seu cérebro, mas aparece apenas quando requisitado. Isso pode ser uma definição de 'noticiário'."
Imprensa e poder
"Eu acredito veementemente na necessidade do jornalismo de ficar longe da interferência dos governos ou negócios. [O jornalismo] precisa prestar atenção no que é dito nos blogs e no Twitter. A internet atua como um tipo de mídia 'underground', paralela. A idéia aqui é sustentar um genuíno jornalismo democrático, encorajando um constante diálogo entre os cidadãos e o noticiário oficial.
O jornalismo ainda tem o poder, mas o perderá para o Twitter se ele se submeter às pressões do governo, como é o caso de muitos países nos dias de hoje. Uma imprensa objetiva é uma condição sine qua non para a democracia."
ENTREVISTA COM CIRO MARCONDES FILHO
Jornalista, sociólogo e tradutor, Ciro Marcondes Filho é também professor titular da ECA-USP, coordenador do Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação (Filocom) e autor dos livros "Ser jornalista" e "Dicionário da comunicação". Com base em seus notórios trabalhos nas áreas de comunicação e jornalismo, Ciro falou à IMPRENSA sobre credibilidade e as novas formas da notícia.
Mudanças de paradigma
"Evidentemente, o jornalismo continuará. É equivocado pensar que o aparecimento da internet e a o afluxo exponencial de informações vindas dos mais diferentes pontos e pessoas fará desaparecer a atuação do profissional de imprensa. O que mudou, efetivamente, foi o procedimento de captação. Hoje, o jornalista busca menos, sai menos à procura de fatos, porque afinal a sociedade tecnológica os fornece largamente.
Antes de a internet explodir, já havia as assessorias de imprensa e as estratégias dos profissionais em relações públicas que abasteciam continuamente as redações com material semipublicitário, semijornalístico. Hoje esse movimento simplesmente inundou de tal forma a prática jornalística que tornou os profissionais desacostumados a sair à caça de informações. Elas vêm automaticamente.
Pode-se dizer que isso tornou o repórter mas preguiçoso, menos 'batalhador' pelo novo. Seu perfil efetivamente mudou e ele se tornou mais adaptado às condições tecnológicas. Não obstante, o grande público não fica sem o jornalista porque, primeiro, não pretende montar sozinho seu jornal; segundo, necessita de alguém que faça por ele a triagem entre as informações interessantes e aquelas que são mero lixo; e, terceiro, continua a existir a necessidade de ouvir uma opinião informada para pensar e agir.
O jornalismo é um sistema muito flexível e muito adaptável. Nos atuais tempos, ele se reinventa como operador de notícias on-line, o que não existia antes. Compete com blogs, sites, twitters, e toda sorte de fornecedores de informação, mantendo-se e superando-os pela distinção de produzir notícias confiáveis e assinadas. Diferente dos outros, ele ainda goza do prestígio de 'ser do ramo', de ser especialista na produção do novo e das novidades."
Acesso à informação
"O usuário normalmente tem condições de obter as informações que procura. Basta digitar uma ou duas palavras no Google que já aparecem milhares de páginas a respeito. Mas não tem condições de dar sequência a isso, de trabalhá-las, de fazer com elas uma síntese ou uma elaboração maior. Ele só chega à porta de entrada mas não avança nos cômodos dessa imensa construção.
Porque não foi escolado para isso, porque não tem a formação e o treinamento para filtrar, sintetizar, realizar uma notícia. Os usuários sabem brincar, apostam no lúdico da internet, não querem ter esforço; como diz o Gonzaguinha, eles só querem ser felizes. Mas a informação mesmo eles obtém da imprensa, prêt-à-porter.
O fato de as informações da internet serem gratuitas não inviabiliza o jornal, exatamente porque estão 'a granel'. As pessoas pagam para obter o serviço daqueles que trabalham essa informação e as buscam em pequenas quantidades mas já elaboradas. Alguém faz o trabalho do meio de campo. Essa é - como sempre foi - a função do jornalista."
Níveis de credibilidade
"Nos tempos atuais, chamados por alguns de 'pós-modernos', toda informação, todo saber, toda tradição, em suma, toda a cultura encontra-se em 'crise de credibilidade'. É o sinal dos tempos. A constatação de que não existe verdade, que a objetividade é uma farsa, que nada é apresentado de forma realista, porque o 'real' não existe, tudo isso assinala uma época em que só nos deparamos com versões. Além das versões não há nada.
Mas, naturalmente, há níveis de incredibilidade. Os políticos talvez sejam a classe com menor credibilidade porque visivelmente escondem os fatos, burlam as leis e a justiça, enganam descaradamente a opinião pública. Mas também outras instituições com os bancos, grandes empresas, as igrejas, as escolas, as universidades, a família, todas elas com sua credibilidade reduzida num mundo em que a seriedade no informar, a honestidade do trabalho é ridicularizada.
Afinal, nos dias de hoje, em quem se pode acreditar se até mesmo nas relações íntimas, intersubjetivas, passionais, o jogo e a farsa predominam? Só sobrevive um princípio ético de cada pessoa, aquele que é supervisionado pelos valores e que tem que prestar contas à consciência de cada um: o de poder olhar sem os óculos mutiladores dos preconceitos, das opiniões preformadas, que falsificam qualquer sinal do mundo externo sem que estes sequer possam aparecer e se mostrar."