O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

13 de out. de 2008

PINGAFOGO F.C
Marcelo Câmara
APRESENTAÇÃO - Os prolegômenos são do jornalista Carlos Eduardo Behrensdorf que, de Roma, agraciou o Sanatório da Notícia com mais um interno de peso: Marcelo Câmara. Então veja como o Garça foi exato, claro e conciso com o novo cobra-criada aqui da redação. Leia:
"Pois bem, Marcelo Câmara inícia hoje sua participação neste Sanatório que, gradadivamente aumenta o número de hóspedes declarados.O Marcelo é afirmativo e não foge de um bom debate. Por exemplo, aqui vão três peças de sua autoria que têm como tema principal a bossa-nova.Bom proveito"! (Carlos Eduardo Behrensdorf).
Pingafogo F.C – Não é o que se pode imaginar. O F pode ser de futebol e o C de clube; mas é pouco provável que o sejam para um carioca que, se não é Flamengo nem Fluminense, sofre com a bola murcha do Bota que, no máximo, Pingafogo; pode mais, no entanto: ser - ainda que mal me expresse e, com o perdão da grosseria – um vascaíno, como eu. Não há qualquer probabilidade de que Marcelo Câmara torça pelo América ou pelo Bangu que já não é mais time; é só uma triste rima. PINGAFOGO F.C. pode ser apenas título da coluna aqui no Sanatório da Notícia e o F e o C de Fantasia e Cultura, respectiva e necessariamente nessa ordem. Por quanto mais não seja, fica esse título até que o autor da coluna o troque por outro, ou deixe-o assim como está, porque pouco se lhe dá e é só pra ver como é que fica. Daqui pra lá, o texto é todo de Marcelo:

Meus amigos,
Minhas amigas,

Em agosto escrevi à editora que produziu a Coleção Folha 50 anos de Bossa Nova (livreto e CD) e ao jornal Folha de São Paulo para lamentar a ausência, entre os artistas selecionados, do pianista e compositor Newton Mendonça (1927-1960). A Coleção, lançada no dia 10 de agosto de 2008, é vendida todos os domingos nas bancas. Fiz severa crítica aos critérios de seleção dos eleitos, apontando o erro como mais um golpe da famigerada "história oficial da Bossa Nova" contra a Música Popular Brasileira.
A editora, depois de entrar em contato com o planejamento e redação da Coleção, me informou que o profissional responsável pela Coleção "também tem enorme respeito e admiração por Newton Mendonça, mas a Folha privilegiou os intérpretes da Bossa Nova e Newton Mendonça não é interprete e sim compositor". O editor acrescentou: "Se notar, em vários discos foi feita a escolha de musicas em que Newton é o Autor, exatamente pra realçar sua veia de Bossa Nova e não deixar passar esse grande compositor despercebido". Diante da desarrazoada e injustificável resposta, enviei outro e conclusivo protesto à Editora.

Abaixo os textos das duas cartas encaminhadas à Editora.
Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2008.
À Editora Mediafashion
À Folha de São Paulo
Senhores,
Saúdo o lançamento da Coleção Folha 50 anos de Bossa Nova, lamentando a grave e injustificável ausência do mais importante artista do gênero: o pianista revolucionário e compositor de vanguarda Newton Mendonça (1927-1960). Compositor que nos deixou 35 músicas (17 de criação exclusiva, 17 com Tom Jobim e 1 com Fernando Lobo), Newton foi, ao lado de Johnny Alf e Tom Jobim (e acima desses dois), o criador por excelência da nova estética.
Dos três, o principal compositor inovador no terreno composicional, estrutural (melodia, harmonia e ritmo), o de maior lastro, consciência e consistência artística, que significou a verdadeira vanguarda, a ousadia, a ruptura, a novidade na Música Popular Brasileira que, antes de todos, anunciou e, depois, fundamentou e inaugurou a Bossa Nova. João Gilberto é a revolução no campo da criação rítmica e interpretativa, criador da batida que sistematizou e interpretou a demanda estética dispersa no Rio da época. João personifica, é o arauto da nova música. Já Newton Mendonça é a criação feita Bossa Nova.
Além de ser o criador de uma obra bossa nova em essência, exclusiva, sem parceria, ele concebeu (e trabalhou com Tom) as idéias musicais, é o melodista, dos hinos e matrizes do novo samba, compostos pela dupla New-Tom, a mais importante da Bossa Nova (Desafinado, Samba de uma nota só, Meditação, Discussão, Foi a noite, Só saudade, O domingo azul do mar). Newton criou, sozinho, no inverno de 1954, a música e a letra da primeira parte do Samba de uma nota só, a obra-síntese, a bomba estética da Bossa Nova, sua principal matriz e hino. E fez com Tom a segunda parte, quatro anos depois. Newton é, ainda, o autor exclusivo da música de Meditação.
A lista dos artistas da coleção elegeu letristas e até intérpretes, omitindo o mais importante, seminal, a verdadeira vanguarda da Música Popular Brasileira na década de 1950: o menino pobre, órfão e tímido nascido no Caxambi, Newton Ferreira de Mendonça, que se transformou no mais ipanemense dos compositores brasileiros. A iniciativa da coleção, louvável como disse, ao ignorar Newton Mendonça, avilta-se, enodoa-se, apresenta-se como mais um golpe solerte e ignóbil de uma infame e prevalecente "história oficial da Bossa Nova", que domina a mídia e a bibliografia, repleta de invencionices, ficções, deformações e mentiras, e que, há 48 anos, reduz, corrompe ou elimina o nome, a obra, a memória, o legado de Newton Mendonça, e de outros grandes criadores, entronizando falsas vanguardas e mitificando acólitos, personagens apenas participantes ou secundários do gênero.
Cordialmente,
Marcelo Câmara.



Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2008.
Senhor Editor,
A explicação não se justifica e prova que a coleção foi mal planejada e realizada. Se a coleção é constituída dos maiores intérpretes da Bossa Nova, João Gilberto, o maior e o mais importante de todos, não poderia estar de fora. Da mesma forma o Tamba Trio, o Bossa Três, o Copa Sete, Sérgio Mendes e Zimbo Trio.
Além disto, Vinicius nunca foi intérprete de Bossa Nova, e outros o foram mínima e esporadicamente, como Maysa, uma cantora de canções e sambas-canções. E Simonal não foi um cantor que privilegiou ou cantou mais Bossa Nova do que sambas-canções, boleros e música norte-americana. Além disto, o nome de Newton Mendonça, grande intérprete da Bossa Nova, que não deixou gravações, mas as maiores criações do gênero, não é, ao menos, citado no texto dedicado a Tom Jobim e em nenhum dos outros textos da Coleção.
Por tudo isto a coleção é pobre e defeituosa.
Sei que você não é o profissional que estabeleceu os seus tortos e equivocados critérios. Entretanto, você e a sua empresa não podem se eximir da responsabilidade, pois, certamente bem intencionados, são os produtores do canhestro e infeliz empreendimento
Cordialmente,
Marcelo Câmara.


O ESCÂNDALO

Minhas amigas,
Meus amigos,
Um escândalo! Verdadeiramente um escândalo. Benfazejo e venturoso, no melhor e mais positivo sentido que a exclamação possa ter. É como posso resumir para vocês a emoção deste trabalhador da Cultura Brasileira, ao ter nas mãos o fascículo da Coleção BRAVO! 50 ANOS DE BOSSA NOVA, Newton Mendonça - O personagem oculto, de André Ciasca, que acompanha a edição de outubro da revista Bravo!.
Numa iniciativa pioneira, corajosa, única na mídia brasileira, a revista Bravo! edita um bem construído e honesto perfil biográfico, jornalístico e crítico, do pianista de vanguarda e genial compositor carioca Newton Mendonça (1927-1960), primeiro e principal parceiro de Tom Jobim, com quem formou a mais importante dupla da Bossa Nova.
Honrado e orgulhoso, devo dizer que o trabalho do jornalista e produtor cultural André Ciasca teve como fontes principais: o livro de minha autoria, Caminhos cruzados - a vida e a música de Newton Mendonça (Mauad); o álbum Caminhos cruzados - Cris Dela nno canta Newton Mendonça (Ilha Verde), idealizado e produzido por mim; as minhas recentes pesquisas; e as entrevistas que a ele concedi. Newton Mendonça é o criador, com Tom Jobim, de Desafinado, Samba de uma nota só, Meditação, Discussão, Foi a noite, Só saudade, O domingo azul do mar etc, e de composições exclusivas como Você morreu p'ra mim, O tempo não desfaz, Verdadeiro amor, O mar apagou, Seu amor, você, Canção do azul, Nuvem, entre outras - qualificadas como obras-primas, hinos e matrizes da Bossa Nova.
Considero a edição do fascículo da revista Bravo! um fato extraordinário, grandioso, de grande significado para a Música Brasileira. Desde a morte de Newton, há quase quarenta e oito anos, somente a Mauad com a edição da biografia em 2001, os meus parcos talentos e recursos que produziram um CD em 2002 e um show em 2008, e, agora, a revista Bravo! - tiveram a iniciativa, a capacidade e a coragem de realizar projetos sobre a vida e a música do grande artista.
O trabalho de André Ciasca é uma resposta altiva e verdadeira à enxurrada de publicações, CDs, programas de rádio e tv, capengas, falsos e pasteurizados, comemorativos dos 50 anos da Bossa Nova, eventos que apenas repetem velhas mentiras, ficções e deformações de uma famigerada "história oficial da Bossa Nova", que predomina na mídia e numa bibliografia medíocre, plagiária e empulhadora. Parabenizo a Bravo!, saúdo e louvo a visão e a independência do chefe de redação da revista jornalista João Gabriel de Lima, quando enfrenta a mediocridade e a farsa generalizadas, construindo com seriedade e excelência.
Para mim, pesquisador quase solitário e um pouco heróico ao insistir em defender a memória e a arte de Newton Mendonça, após os aplausos, meus e dos leitores, só há uma palavra a ser lançada: BRAVO!

Marcelo Câmara