O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

23 de out. de 2008

L'OSSERVATORE PIANÍSSIMO
Carlos Eduardo Behrensdorf
Uma historinha napolitana

Num início de semana escapei de Roma e me mandei para Nápoles, Pompéia e Sorrento. Nápoles é aquilo mesmo. Chego a pensar que Orestes Barbosa quando escreveu o trecho “... nossas roupas comuns dependuradas, na corda qual bandeiras agitadas...” do nosso muito conhecido Chão de Estrelas, se inspirou em Nápoles.
Algumas das ruelas fazem uma verdadeira exposição da calças, calcinha e calções, camisas, camisinhas e camisões, sem falar em blusas, toalhas, lençóis e não sei mais o quê das mais variadas cores. Os panos napolitanos drapejam com se fossem estandartes medievais.

Confesso que nunca vi em capital alguma um trânsito tão amigavelmente barulhento, confuso, aparentemente sem preferencial e, ainda assim, dando vez aos pedestres. Mesmo assim, penso o seguinte: quem atravessa uma rua napolitana no centro é como se fosse um trapezista saltando sem rede.
No táxi que me levou para o centro pela primeira vez, o motorista fez uma suave contramão, trocou de via para fugir do engarrafamento e enveredou por uma ruazinha, a Santa Sofia. Até aí, tudo bem. A velocidade não ultrapassava oito ou dez quilômetros. Ocorre que em um determinado trecho, uma velhinha daquelas gorduchas, de cinema, lavava e varria a frente do prédio. O carro passou e, mesmo devagar, virou uma lata d’água. A velhinha deu a maior vassourada no carro.

Grito pra lá, grito pra cá, a mulher continuou lavando e varrendo e o táxi lá se foi aos trancos e barrancos num legítimo beco sem saída. Apesar do contratempo, entre mortos e feridos todos os passageiros chegaram são e salvos à Catedral de San Genaro.

Só uma dica: vem a Roma e quer ir a Nápoles? O Eurostar, direto, leva apenas uma hora e 15 no trajeto. A noite napolitana de frente para o mar vale qualquer vassourada ou risco de um chega pra lá de carro ou moto. Podes crer...

Dizia eu que em Nápoles, como em qualquer outra das cidades italianas que passei, há personagens de um mesmo cenário: nas calçadas, os africanos oferecem bolsas de grifes fajutas. Os asiáticos vão um pouco melhor: uns são garçons, outros porteiros e uns poucos já têm pinta de empresários atuando em hotéis, bares, restaurantes e lancherias.

No mais, todos sabem o que a cidade mostra como atração principal: a Catedral, que abriga relíquias do mártir San Genaro. Lá estão a cabeça do santo dentro de um busto prateado, e os frascos com o sangue que se liquefaz três vezes por ano.

Sobre o sangue, os napolitanos sempre aguardam o primeiro domingo de maio, 19 de setembro e 16 de dezembro. Se o sangue se liquefaz, haverá dias de vinhos e rosas, se nada ocorrer, a barra pode ficar pesadíssima. Foi o que me disseram.

Olhar o golfo de Nápoles é um ótimo colírio. De vez em quando, a imagem do Vesúvio assusta um pouco a quem é marinheiro de primeira viagem. A montanha parece um gigante esclerosado e mal-humorado, que poderá cuspir fogo se ficar irritado. (La nostra Fontana Azzurra - Roma 2008)