O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

5 de jun. de 2013

Bandeira, Velho Amigo

Bandeira foi meu grande amigo de infância e juventude. Celso Assírio Pierobom Bandeira. Estudamos juntos no ginásio noturno do Assis Brasil; jogamos futebol juntos na várzea, ele era do Liberal do Fragata; centro-médio de fina estampa; jogamos pouco na Portuguesa do Patê; ele era do juvenil do Pelotas e eu fui parar no Farroupilha< do Tenente Fonseca. 

Foi assim no futebol, mas formamos um grupo de mosqueteiros incomodativos na velha Avenida Bento Gonçalves, Paralelo-38 da minha pátria pequena que tenho aí no Sul: Sérgio Siqueira, Bandeira, Patê e Pé de Anjo. O Antônio Carlos Petiz era meio que D'Artagnan. 

Bandeira depois passou em um concurso para a Justiça do Trabalho e foi morar em Porto Alegre. Saiu da lateral-direita do juvenil do Pelotas e foi para o meio-de-campo do São José, aquele do Passo da Areia. 

Ali fez sucesso, no antigo campeonato Porto-Alegrense; acabou como centro-médio (breve) do Internacional, no lugar do negão Salvador. lembro ainda que ele me dizia: - Não entendo o torcedor, Narigudo: eu afino o jogo, bato de letra e ninguém faz nada; dou um bico pra cima na beira da área e todo mundo aplaude! 

Bobagem, pura filosofia de boleiro. Ele nunca dava um balão. Tratava a bola com carinho e enorme facilidade.

Foi meu parceiro das noitadas com Oscar Urruti, Negão Bide, Cléo Muratório de Souza e o bom e engraçado Sapato Velho, reserva do Santa Maria no Pelotas aquele que sabia jogar bola. Getúlio Saldanha era o nosso conselheiro, mais que isso, nosso Anjo da Guarda.

Eu e Bandeira servimos juntos no 9° Regimento de Infantaria em 1958. Eu sou de 4 de novembro e ele de 8 de novembro de 1939. Bandeira, um dia mudou-se para uma casa na XV de Novembro, pegado à casa do goleiro do Caiçara F.C. o Zé Rocha. 

Ficou famoso porque, quando se mudou para a XV - perto da sede do Ponte Preta dos Fumanchu - ele foi provocado pela turma que frequentava o Armazém da esquina.

Naquele sábado, ele pela primeira vez naquela zona foi fazer compras na esquina.Foi inticado. Não respondeu às provocações. Só perguntou, com muita calma (tinha mais de 1m90cm de altura) se o implicante (que tinha dado uma piada sobre "marrequinha nova" ou coisa parecida) poderia esperar um pouquinho por ele ali mesmo:


- Você vai ficar aí? Eu só vou ali em casa entregar este refrigerante pra minha mãe e já volto.
- Volta sempre, grandalhão - disse o provocador.

Bandeira voltou. Pediu com toda calma uma Coca Família. Mandou abrir e, tirando um martelo da jaqueta, levantou o desafeto do saco de feijão em que ele estava sentado:

- Agora, negão, bebe aí essa Coca-Cola que eu sei que tu tá com sede.

Pois não é que o cara tava com sede mesmo? Tomou todinha e saiu arrotando pela calçada, até a hora do jogo do seu time, estrela da primeira divisão de amadores da cidade. Botou Coca pela boca afora até às 16 daquele sábado, até que chegou no campo do Tamandaré.

Bandeira pagou a Coca, guardou o martelo e foi dormir até o momento em que foi avisado que o treino do juvenil do Pelotas ia começar. Nunca mais foi incomodado por ninguém. Até fez um pé que outro no time das redondezas. Mas virou o respeitado Cara do Martelo.

Bandeira era assim. Foi um amigão do peito; uma amizade desinteressada, juvenil, de trocar idéias, de gastar o dinheiro juntos, de repartir idéias e traquinagens. Sinto falta dele. 

Não nos falávamos há quase duas décadas. Era daquelas amizades com as quais a gente sabe que pode contar quando se encontra; mesmo que tenham passado 20 anos. 

Há coisa de um ano quase telefonei para ele só para lhe dizer que o Paulo Henrique Ganso joga igualzinho ao que ele jogava. Não encontrei seu telefone. Não deu tempo. Ontem descobri o telefone do Patê, em Porto Alegre. O negão tá com 78 anos e fez 45 de casado, na terça-feira passada. Perguntei pelo telefone, pelo e-mail, pelo endereço eletrônico do Bandeira. Não adianta mais. É tarde. Bandeira morreu.

Nossa amizade distante não nos deu tempo para falarmos de coisa nenhuma, ou de todas as coisas que um dia paramos de fazer juntos. Acabei de perder aquela sensação de eternidade que só as verdadeiras e grandes amizades podem sentir.