Juquinha Stockler: a bateria que era música
Marcelo Câmara
No último 16 de dezembro, faleceu, anonimamente, na sua residência no bairro do Leblon, Zona Sul carioca, aos 80 anos, um dos maiores músicos brasileiros: Juquinha Stockler (João Baptista Stockler Pimentel), “o baterista da Bossa Nova”, o preferido de João Gilberto, Newton Mendonça e Tom Jobim.
Somente um site de jazz de Nova Iorque noticiou a sua morte, um dia depois. Soube, agora, que Tárik de Souza, crítico de estofo e proeminente historiador da nossa Música Popular, com base no site norte-americano, foi o único no País a registrar a partida de Juquinha na sua categorizada coluna Supersônicas, na edição de 1º de janeiro de 2010, do Jornal do Brasil.
O meu amigo Tárik de Souza integra comigo o pequeno grupo de estudiosos que constroem a História Real da Bossa Nova e da Música Brasileira, longe da famigerada estória oficial, que predomina na mídia e em grande parte da bibliografia existente, cheia de ficções, mentiras e desvios de toda ordem.
“Rei da Vassourinha”, amigo de juventude de Newton e Tom, parceiro deste último em Faz uma semana, Juquinha foi o baterista da peça Orfeu da Conceição, em 1956, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, das primeiras gravações de Chega de Saudade, com Elizete Cardoso e João Gilberto, e das célebres criações deste para Desafinado e Samba de uma nota só, de Newton e Tom.
Os grandes bateristas brasileiros, a partir da década de 1950, sempre se consideraram “discípulos do mestre Juquinha”, que, humildemente, se autodefinia apenas como um “bom acompanhador” e costumava dizer que “bateria não é barulho, mas, harmonia, um instrumento musical”. Newton, Tom e João Gilberto eram fascinados com o talento e a capacidade de Juquinha extrair um soft sound da sua bateria.
De 1950 até 1980, Juquinha, músico de jazz e também compositor, artista versátil, dono de um ouvido absoluto, de primorosa e personalíssima técnica, gravou com os maiores nomes da música brasileira. De Waldir Azevedo a Eumir Deodato, de Elizeth Cardoso a Martinho da Vila, passando por Menescal, Lúcio Alves, Luiz Bonfá, Billy Blanco, Tito Madi, Dorival Caymmi, Dalva de Oliveira, Carlos Lyra, Marcos Valle, Elza Soares, Agnaldo Timóteo, Paulinho da Viola, Clara Nunes, Beth Carvalho, entre outros.
Gravou também com astros internacionais como Nat King Cole, Paul Anka, Roy Hamilton, Billy Eckstine, Teddy Randazo, Lucho Gatica, Sarita Montiel, Armando Manzanero, Gregório Barrios e com as orquestras de Roberto Inglez e de Noro Morales, com as quais excursionou na América do Sul.
Nos últimos anos, integrou o Stockler Trio, que acompanhava, na noite carioca, o excelente cantor Edson Vaz, seu fiel e leal amigo nos últimos quinze anos. Vaz, que preparava um documentário audiovisual sobre a vida e a carreira de Juquinha, com depoimentos de grandes bateristas em atividade e de outros músicos, cantores e compositores, guarda gravações preciosas de Stockler, tocando jazz e música brasileira contemporânea, especialmente as feitas nos seus derradeiros anos de vida.
Parte, pobre, sem homenagens, sem notícia, um dos maiores músicos brasileiros do Século XX, artista de primeira grandeza, único e insuperável na sua arte. Juquinha Stockler foi um criador de técnicas, um inventor de percussões em todos os ritmos, que fabricava as peças da sua própria bateria. Morre ignorado pelos veículos de comunicação e pelos cronistas superficiais e preguiçosos, plenos de prestígio, de espaço e tempo em certa mídia calhorda e leviana.
Ao amigo Juquinha, o sorriso e a saudade. A nossa lágrima, o nosso aplauso.