Marcelo Câmara
Com a partida do estelar Johnny Alf, com quem tive o privilégio de conviver e trabalhar no início dos anos 1970, escrevendo e produzindo shows, volta a se divulgar mais uma tolice, mais um falso bordão da famigerada “história oficial da Bossa Nossa”, cheia de ficções, mentiras e deturpações de toda ordem. A reincidente besteira consiste em chamar Johnny Alf de “precursor” da Bossa Nova. Grave e medonho erro.
São três os principais compositores, os três pilares autorais, composicionais, da Bossa Nova, estética nascida na segunda metade da década de 1950.
Três músicos geniais. O pianista e compositor Newton Mendonça (1927-1960), o mais importante compositor do estilo, quem mais alto e longe foi na estruturação composicional, na sistematização melódica e harmônica da Bossa Nova, quem verdadeiramente fez vanguarda, mais ousou, mais transgrediu e promoveu mais invenção. Newton era grande amigo de Johnny Alf.
Este foi quem, pela primeira vez, me falou de Newton, e com muito entusiasmo, carinho e admiração. O outro é Tom Jobim (1927-1994), primeiro e fundamental parceiro de Newton, que a este sobreviveu 34 anos e com quem formou a principal dupla criadora da Bossa Nova.
A parceria New-Tom compôs os hinos, as fundamentais e mais influentes matrizes da Bossa Nova. E o terceiro pilar, anterior a Newton e Tom, e deles mestre, é Johnny Alf (1929-2010), pianista virtuosíssimo, cantor único e compositor precioso, que cometeu as primeiras ousadias melódicas, harmônicas e rítmicas e, mesmo antes da batida definidora de João Gilberto, foi responsável pelas criações basilares do estilo.
Negro, pobre e órfão de pai, nascido no Morro da Mangueira, Alfredo José da Silva, filho de uma empregada doméstica, criado em Vila Isabel, incrivelmente parece ser a mais nobre dissonância, culta, sofisticada e afinadíssima, de um tipo de música que surgiu entre os meninos brancos, de classe média alta, da Zona Sul carioca.
O sintetizador de todo o processo desenvolvido na década de 1950, o criador do novo ritmo e estilo, da batida rítmica, o definidor da revolucionária harmonia, que consolida o novo samba, chama-se João Gilberto (1931), discípulo também de Johnny Alf.
Os jovens Newton, Tom e João Gilberto, assim como Carlos Lyra, Menescal, João Donato, Luiz Eça, Ronaldo Bôscoli, entre outros, formavam a mais assídua platéia do pianista e cantor Johnny Alf nas boates Mandarim (onde revezou com Newton), Clube da Chave, Drink e Plaza.
As canções de Johnny Alf, Newton Mendonça e Tom Jobim favoreceram e estimularam a revolucionária criação, a perseguida façanha de João Gilberto.
As músicas dos três compositores se adequaram perfeitamente à forma de João Gilberto tocar e cantar. Suas estruturas e características pareciam ter sido feitas especialmente para João, que as acolheu, assumiu-as, vestiu-as com a nova batida e inusitada interpretação, e construiu definitivamente a estética, transformando o baiano de Juazeiro no maior e insuperável intérprete da Bossa Nova.
Tom Jobim declarou, por algum tempo, que, se querem dar “um pai” à Bossa Nova, ele é Johnny Alf.
Marcelo Nóbrega da Câmara Torres
Jornalista, escritor, editor e consultor cultural.
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