O medo

TENHA MEDO DO QUE O GOVERNO PODE FAZER COM VOCÊ. NO BRASIL GOVERNAR É SATISFAZER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS.

31 de mar. de 2009

CÂMARA & CASCUDOS - Ala Marcelo Câmara

A MODA BURRA NAS ACADEMIAS

As opiniões expostas na matéria Na sintonia das batidas perfeitas, sobre música nas academias de ginástica, publicada na edição de domingo, 15.3.2009, do jornal O Globo, são uma reunião de frivolidades, ditas por gente que não conhece, se nega a estudar o assunto ou se encontra, patológica e comercialmente, engajada numa moda generalizada, burra, tola e nociva. O barulho de um motor de caldo de cana, quase sempre ensurdecedor, denominado “música”, nas academias, é uma prática insana, maciça, predominante em todo País. Uma droga perturbadora, adotada sem prescrição médica, sem nenhum fundamento técnico ou base científica. (Foto: Ag.Senado)

Cada indivíduo tem o seu próprio ritmo orgânico e mental, cada exercício tem, também, o seu próprio ritmo e determinado exercício praticado por determinada pessoa tem um terceiro ritmo. Não existe uma música ritmada que marque todos os exercícios aeróbicos e de musculação de todas as pessoas, dentro ou fora piscina.

Ginástica exige atenção, disposição, concentração e realização responsável, sintonia, ritmo, harmonia entre mente e corpo, orientação, obediência às regras da sua execução. Esse som que transforma academia em boate de meretrício e botequim desprezível, com cerveja quente e música alta, apenas aliena o indivíduo de si mesmo, afasta o praticante da ginástica do seu exercício, dispersa os sentidos, o desconcentra, “distrai” como admite um dos entrevistados, quando a sua mente, o seu corpo, postura, respiração, todos os sentidos deveriam estar dirigidos e empenhados no próprio exercício.

O barulho na academia, que os seus adeptos chamam de “música”, e geralmente da pior qualidade, só faz entorpecer e imbecilizar ainda mais os alunos de academia. Música é uma arte para ser ouvida, tocada ou dançada em lugar e momento apropriado. E música-ambiente ritmada não se adéqua a um lugar multidisciplinar, onde diversas pessoas devem estar concentradas, executando as lições de diversos exercícios com diversas durações e de diversos ritmos, alguns alongando músculos e tendões, outros em práticas aeróbicas (esteira, bicicleta etc.), e terceiros fazendo musculação.

A rigor, a princípio, em tese, nenhuma música – de excelência, mediana ou ruim, popular, folclórica ou erudita – deveria estar em espaço multidisciplinar, plural, de academia alguma. A música era, outrora, seletiva e específica marcando os pontos dos exercícios da milenar calistenia, da ginástica de solo clássica, com ou sem halteres, barras e bastões, e hoje, também seletivamente, pode fazer parte dessa ginástica marcada, e, ainda, da ginástica artística e de certos exercícios da ginástica olímpica.

Os compêndios e manuais clássicos da matéria, os livros de Educação Física e de Ginástica de autores de prestígio internacional, editados nos EUA, na Europa e Oriente, recomendam a prática da ginástica sem música.

Entre nós, o consagrado Nuno Cobra orienta no mesmo sentido. A música ouvida por um atleta individualmente no seu treinamento, e na ginástica, também individualizada de uma pessoa, é válida, estimulante, até útil, necessária. Da mesma forma, um grupo praticando exercício único, coletivo, ritimado, com um guia, professor ou orientador, tem na música um auxiliar didático-pedagógico válido, importante.

“Eliminar o baticum irracional e torpe das academias parece impossível, a reação contrária é quase absoluta” – justificam-se os professores. Quando, milagrosamente, a aparelhagem de som pifa e os sons e ruídos são apenas das pessoas, professores e alunos, já ouvi algumas pessoas, uma minoria, é claro, exclamarem: “Que bom sem música, parece que tudo sai melhor, com mais acerto e rendimento...” Mas estamos numa democracia, o regime das maiorias que crucificaram Cristo, glorificaram Hitler e elegeram, duas vezes, Bush. E, infelizmente, enquanto não prevalece a razão, reina “o melhor critério”: o das maiorias, mesmo que insanas.

O escapismo irracional do falso bordão “gosto não se discute”, e se discute sim, em todos os campos do pensamento, da arte e do comportamento humano; e a resposta vazia e irresponsável dos donos de academia e seus professores “Não se pode agradar a todos, cada um tem um gosto...” – apenas confirma a asneira segundo a qual o aluno de academia é quem deve determinar o que deve ser feito e como deve ser feito. Seria como um paciente dizer ao médico que quer tomar tal remédio, fazer tal terapia, durante o período “x” e na forma “y”.

O barulho nas academias é um instrumento a transformar alunos de educação física em consumidores tontos, alienados e dóceis, que cumprem séries de exercícios sob intenso e desconcertante barulho, suam, falam alto para serem ouvidos, suam mais um pouco e vão para casa esgotados, meio surdos, certos de que fizeram bem ao corpo, à mente, melhoraram a saúde.

Realmente, apenas e literalmente, “malharam”, agrediram bastante o corpo, se esgotaram, como estivessem num trânsito engarrafado, sob um buzinaço. Mas não praticaram ginástica de forma inteligente, segura, responsável e saudável.

Marcelo Câmara
E-mail: ilhaverde@ilhaverde.net
website: http://www.ilhaverde.net/

RODAPÉ -Ei, Marcelo! Em Brasília acaba de ser inaugurada na parte mais nobre da Asa Norte, uma academia dessas, com toda pompa e circunstância. Fica de frente para o Parque Olhos d'Água, um dos espaços mais corretamente ecológicos da Grande Ilha. Os malhadores de elite ficam patinando suarentos sobre esteiras, com olhares perdidos nos aparelhos de TV, enquanto a plebe desfruta, de graça, lá no parque o mais puro ar da natureza.