O quanto me permite de liberdade de expresão essa democracia dos calamares implantada no Brasil Da Silva, eu a tenho usado para expressar a ojeriza, a aversão que me provoca um dos piores traços do perfil de Luiz Inácio Lula da Silva: a hipocrisia.
Ele pode até ser um homem bom, mas não tem conseguido ser um homem de bem. Pessoalmente, há muitos anos, eu o conheço de uma breve entrevista radiofônica que fiz com ele lá por 1995, 96 na rádio Universidade Católica da cidade de Pelotas - uma pátria pequena que deixei lá no Sul.
Foi então, comigo e com meus ouvintes, um sindicalista simpático, extrovertido, inteligente nas respostas e no jeito de me levar a fazer as perguntas que ele queria e sabia responder. Virei plataforma de lançamento de suas idéias, como todo repórter que conheço aqui no Brasil ou de qualquer Financial Times pelo mundo afora.
Hoje, eu o conheço dos jornais, das revistas, de rádios, das TVs de todos os canais, inclusive daquela que ele criou para si mesmo e seus apóstolos e, é claro, do imperdível Café com o Presidente - fonte luminosa de todas as segundas-feiras do mais profundo humor negro de todas as nações e governos do universo.
O que percebo em Lula, desde lá até hoje, é que ele tem tido muito mais trabalho em apresentar-se como um homem de bem do que seria normal esforçar-se para ser um homem bom.
Na prática, palanque após palanque, ele acaba se enquadrando no que Francis Bacon conceitua a páginas tantas de sua obra Ornamenta Rationalia: "...o mau, quando se finge de bom, é péssimo". Tem sido assim. Desde que subiu a rampa. Com horrorosas exceções.
De todos os malfeitos - dentre os bem feitos que Lula tem cometido - nenhum é tão grande como aquele que nos enfia goela abaixo quando mais nos engana, mais trata de aparentar bondade.
Lula não precisaria ser assim, como dizia Vitor Hugo diante de um dissimulado, "um miserável hermafrodita do mal". Não precisaria, mas quem acende uma vela pra Deus e outra pro diabo, só pode ser assim.
Lula, melhor do que ninguém, sabe disso. Mas, ainda assim dissimula, engana, mente. Com a mais nua e crua sinceridade, rememorando o Lula da porta da fábrica onde talvez tenha deixado o melhor pedaço de sua vida, sinto que seria melhor para o Brasil que ele reconhecesse mais seus erros, suas falhas, coisa natural dos humanos, do que se valesse da hipocrisia para travestir-se de deus brasileiro.
Essa repulsa pelo que a política e o gosto desmedido pelo poder fizeram com o caráter de Luiz Inácio Lula da Silva, tem me levado a ser um sistemático e desorganizado crítico feroz do governo que Lula comete no Brasil.
De tal forma tem sido assim que - como antes me julgavam petista, quando atacava FHC e seu governo nhénhénhém - hoje me consideram tucano, DEMoníaco, brizoleiro ou coisa que o valha, pelo fato de deplorar o cinismo e a prepotente hipocrisia do mestre Lula e seus apóstolos. Nem isso, nem aquilo.
Por natureza, sou portador de liberdade. Sou viciado em liberdade de credo, de pensamento, de expressão.
O que mais me fere na hipocrisia é que o hipócrita mostra aos outros o caminho que eles próprios não seguem. Essa arte da dissimulação é, no entanto, tão dificil de ser identificada em um homem, pior ainda, em um líder carismático assim como Lula, que acaba se tornando invisível aos olhos "das pessoas comuns" como gosta de nos tratar o nosso presidente da sua própria República.
Ao acompanhar Lula tão de perto e assim tão à distância, acabei enveredando - reconheço agora - justamente pelo caminho que ele quer que seus críticos sigam. Lula é artimanhoso. Tem um faro notável como os de um cão-guia que leva os cegos com uma sensação de segurança e fidelidade incríveis.
Vale para ele, mais do que para nenhuma outra pessoa comum ou não-comum no mundo, o conceito do "falem mal, mas falem de mim". Ninguém na história desse país, em momento algum, através dos tempos, teve tanta exposição sob os holofotes da fama.
É ali que Lula - o epíteto de um ser marítimo - sabe navegar, com o engenho e a arte que lhe garantem não naufragar nas ondas da popularidade.
Vejo agora que, como naquela entrevista de 1900 e antigamente, estou sendo apenas um dos muitos remos que levam sua galera ao destino que ele traçou para uma das maiores e mais crédulas nações do universo. O destino que ele quer.
O Brasil é a primeira grande aventura desse, tipo assim, hodierno Marco Polo - que já conhece o mundo que, de tanto ser por ele visitado, já o reconhece de velhos tempos, de outros carnavais. Pois esse mundão tem sido a sua segunda grande odisséia. Nem Ulysses, nem Gulliver. Marco Polo que, se não foi gigante, também para pigmeu não se prestava.
Eis que me acode, alhures, uma cabeça de Medusa; solto as cobras, deixou que vocês vejam o pau e abandono, por um tempo, a nau dos insensatos da mídia que ousa cruzar os caminhos desse grande navegador da ainda um pouco nossa pátria amada, idolatrada.
Lanço agora minha âncora na beira do cais, junto à platéia que se fascina com as narrativas fantásticas dos feitos e malfeitos realizados e dos que ainda, mesmo que já inaugurados, estão à espera de suas pedras fundamentais.
Faço-o muito menos por fastio e muito mais pela fome de não ser um instrumento útil, por dimunto que o seja, para os desígnios de quem tem um talento desmedido para tirar proveito do jornalismo que tanto lhe causa azia.
E então calado, com um pé atrás da turma do gargarejo, vou acreditar que essse homem pode ser bom e ser um homem de bem. Vou ver se agüento. E nesse meio tempo, vou exercitando minha plena liberdade de credo, pensamento e expressão. Com direito até, quem sabe, a uma boa e sonora vaia - o aplauso de quem não gosta.
Acho que resisto. Vou usar o expediente de tomar sistematicamente, a cada aparição do contador de histórias, uma boa dose de Sal de Fruta Eno. É que, com fruto do mar, de uns oito anos pra cá, passei a ter azia e má-digestão.
RODAPÉ - Pare, olhe e pense só um pouquinho, você aí seu filho da pauta: fique até 2 de outubro sem falar no mestre Lula e seus apóstolos. Deixe a exposição do governo só para os organismos oficiais, o Ministério da Verdade e os horários partidários gratuitos. Deixe para eles a missão de iluminar o governo. Apague os holofotes. Aguarde apenas o que vão dizer os porta-vozes palacianos. Espere as eleições e veja no que vai dar a campanha de um poste para a Presidência da República. Faça isso, mas se sentir o perigo de ficar desempregado, volte à pauta normal.