OS MISTÉRIOS DA BOLSA ATLETA
Entrevista com José Cruz - Repórter Esportivo
Jornalista investigativo
O que é o Bolsa Atleta?
É um programa criado pelo governo federal em 2004. A Bolsa foi criada porque o dinheiro das loterias destinado aos comitês Olímpico e Paraolímpico não estava sendo aplicado diretamente nos atletas. O valor da Bolsa é depositado diretamente na conta de cada um dos 6.600 contemplados neste ano.. Quando a bolsa foi criada, o objetivo era ajudar, literalmente, o atleta que nada tinha, nem para comprar um tênis, melhorar sua alimentação, comprar um suplemento, viajar para uma competição, etc. Hoje, há atletas ganhando das Forças Armadas, porque o Exército, a Marinha ou a Aeronáutica os incorporaram; ganham de patrocínio da Estatal (Caixa, Petrobras, Infraero, BNDES, Banco do Nordeste, Bando do Brasil, Correios), porque divulgam a marca dessas empresas, ganham de premiação dos torneios que participam e mesmo assim recebem a Bolsa Atleta. Enquanto isso, o atleta que está começando, os das categorias menores, os que ainda não têm visibilidade e por isso ficam sem patrocínios, são os que menos ganham.
Quem ganha o Bolsa Atleta?
Ganha quem se candidata. E aí está uma das falhas do programa, porque o Ministério do Esporte concede o benefício com base no resultado do ano anterior. Por exemplo: Maurren Maggi, competiu o Troféu Brasil no ano passado. Depois, anunciou que encerrava carreira, e até assinou contrato para ser comentarista de atletismo da Rede Globo. No entanto candidatou-se à Bolsa deste ano e foi atendida... Outro caso esdrúxulo: nossos melhores tenistas, como Bruno Soares e Marcelo Melo, já ganharam mais de 400 mil dólares em premiações de torneios, só este ano. E ganham Bolsa Atleta de R$ 15 mil mensais!
Quanto ganha um atleta contemplado?
São seis categorias: Base e Estudantil, R$ 370,00 mensais; Nacional, R$ 925,00; Internacional, R$ 1.850,00; Olímpica e Paralímpica, R$ 3.100,00; a categoria Pódio, criada há dois anos, foi específica para atletas que se preparavam para os Jogos Rio 2016 e o valor varia entre R$ 5.000,00 e R$ 15.000,00
Quais os principais problemas do programa?
As fraudes. Numa auditoria, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou 44 atletas recebendo sem terem qualificação para tal. Por exemplo, já tinham parado de competir. O Programa tem 6.600 contemplados e o Ministério não tem estrutura para comprovar se todas os certificados apresentados na candidatura são legais. Outro problema é o atraso no pagamento. O Ministério já atrasou até cinco meses e isso é um prejuízo enorme para os atletas, que assumiram compromissos, prestações etc. E o atraso ocorre porque o caixa do governo está em baixa... Outro problema é o pagamento de bolsa para modalidades de elite, como o golfe, hipismo, a vela. O programa precisaria passar por uma grande avaliação, para ser mais democrático e aproveitar melhor os poucos recursos públicos
E o que falta para fazer esta avaliação?
Falta termos um ministro envolvido com o setor. Só nos últimos dois anos, entre a Copa 2014 e os Jogos 2016, já tivemos quatro, QUATRO!!! ministros do esporte, entre eles um que entendia só de "gente", o agora deputado federal George Hilton. Cada novo ministro trocam os diretores, secretários, assessores, que seguem fazendo a mesmice, porque sabem que estão ali temporariamente. Isso é um programa de governo como um todo.
O Ministério do Esporte é uma casa séria?
Não é. Isso já se provou várias vezes que é mais uma pasta de falcatruas, destinação de verbas para projetos que não são executados; projetos superfaturados, dinheiro desviado e prestações de contas com notas fiscais frias etc. Eu mesmo fiz reportagens comprovando o roubo, como na Confederação de Tênis, por exemplo.
Daí que o esporte precisa passar por uma grande reavaliação na pós-olimpíada. O problema são as pessoas que aí estão, todas comprometidas com o sistema, com a mesmice, com as máfias que desviam verbas públicas. Na minha avaliação a questão é: compete ao Estado financiar o alto rendimento ou deve se voltar para o esporte na escola, para a iniciação esportiva, e deixar o profissional nas mãos da iniciativa privada, das grandes marcas? Porque o esporte de hoje é negócio, é business, mas aqui a gente se comporta como Cuba ou Rússia, tudo nas mãos do Estado, que não tem estrutura nem condições de gerir o negócio de forma séria, porque o próprio Estado é uma instituição corrupta.